O endividamento da classe trabalhadora no Brasil e o capitalismo manipulatório

Abstract

Resumo O artigo tem como objetivo abordar o endividamento dos trabalhadores no Brasil e a proposta da "educação financeira". Os números do endividamento são impactantes se comparados com as estatísticas do fim do século passado. O Relatório de Estabilidade Financeira (REF), publicação semestral do Banco Central do Brasil (Bacen), apresentou em 2014 o índice de endividamento das famílias em 45,5%, referente a dezembro de 2013. A "educação financeira" surge como ideologia estratégica do capital financeiro, com o objetivo de manipular o consumo e controlar os riscos de inadimplência.

O "Mal-Estar" Da Dívida

“…Em decorrência disso, salienta-se a necessidade de compreender o endividamento para além de uma questão puramente econômico-financeira, ressaltando seu papel ativo na construção de subjetividades individuais. Estudos recentes têm buscado esclarecer o papel desse fenômeno como constituinte de uma "governabilidade da dívida" nas sociedades latino americanas (TAPIA, 2018;LOPEZ, 2018;RIBEIRO;LARA, 2016), muito embora ainda sejam insípidos estudos empíricos a cerca desse fenômeno. Adicionalmente, ressalta-se a necessidade de se expandir essa discussão para englobar a baixa renda, dado que ainda pouco se debate acerca das repercussões do endividamento nesse segmento (ROCHA; SILVA, 2008;SCIRÉ, 2011), uma vez que os mais pobres da sociedade são os mais vulneráveis aos corolários do endividamento.…”

“…Com efeito, a estratégia recente da política de grandes bancos tem sido a busca por um público alvo de pessoas de menor renda para aprisionar os novos consumidores em uma lógica da dívida (RIBEIRO; LARA, 2016;GRAEBER, 2016). Sobre este processo, Bauman (2010a, p. 9) aduz que isso se deve ao fato do capitalismo ser um "sistema parasitário", cuja sua forma de sobrevivência -à semelhança do processo de acumulação primitiva advogado por Luxemburgo (1985) -é a busca incessante de novas "terras virgens", que se traduzem, sobretudo, como mercados ainda não explorados de maneira lucrativa.…”

“…N as últimas décadas, políticas nacionais da maior parte dos países da América Latina priorizaram, em seus modelos de desenvolvimento econômico, programas que perpassavam a concepção da inclusão de estratos sociais mais baixos a uma economia de mercado globalizada (RIBEIRO;LARA, 2016). Não obstante, o financiamento para o alcance dessas políticas decorreu, sobretudo, a partir da expansão do setor bancário e do acesso ao crédito por parte das famílias (TAPIA, 2018;RIUS;ROMÁN, 2015).…”

Vulnerabilidade e Educação Financeira: A Visão de Gerentes de Banco

“…Em 2010, a educação financeira passou a ser política de Estado no Brasil, de caráter permanente, com a criação da Estratégia Nacional de Educação Financeira -ENEF, em uma reação do governo ao crescente endividamento da população (Ribeiro & Lara, 2016;Saleh & Saleh, 2013), tendo como objetivos:…”

“…Um contexto que evoca as previsões de Toffler (1973, p. 221), para quem os consumidores do futuro seriam acometidos pela "superescolha", onde "as vantagens da diversidade e da individualização são eliminadas pela complexidade do processo de tomada de decisão por parte dos compradores" tornando a escolha tão complexa, difícil e custosa que esta se transformaria em uma "não liberdade". Soma-se a essa situação o acesso facilitado ao crédito, para uma população sem muitas informações sobre planejamento financeiro (Araújo & Calife, 2014), muitas vezes sem a necessidade de comprovação de renda (Ribeiro & Lara, 2016), e com dificuldades para perceber ou aceitar suas limitações financeiras, o que amplifica ainda mais a situação de vulnerabilidade.…”