Pessoas, indivíduos e ciborgues

Abstract

O método comparativo durante muito tempo serviu de base para a discussão metodológica na Antropologia. A partir deste pano de fundo, Marilyn Strathern destacou- se como um nome fundamental no campo teórico e fez de suas etnografias na Melanésia uma chave de comparação e contraposição ao ocidente. Escrevendo no entremeio dos anos de 1980 e entre as críticas epistemológicas pós-modernas que abalaram os alicerces das Ciências Humanas, a antropóloga apoiou-se em um movimento teórico-metodológico que colocou em suspensão não só dados etnográficos, mas também conceitos fundantes da disciplina antropológica. Neste artigo retomamos o percurso metodológico de Marilyn Strathern para evidenciar suas estratégias de análise e os deslocamentos das noções de indivíduo e sociedade que ela provocou ao aproximar a antropologia e o feminismo. Ao mesmo tempo, buscamos colocar em prática seu exercício metodológico e ao trazer Donna Haraway e Judith Butler para o diálogo, buscamos evidenciar como as noções de conexões parciais, hibridismo e criação de ciborgues podem revelar expansões e alargamentos na própria teoria stratherniana.

Corporificação do sagrado

“…Compreendo a etnografia não como uma transcrição fiel da realidade, mas sim como um investimento teórico (Peirano, 2014) e uma permanente recombinação dos estudos das experiências humanas a partir de uma experiência pessoal (Goldman, 2006), o que auxilia na produção de saberes e contextos posicionados e particulares, sem a necessidade de generalização ou a estabilização das relações reais (Abu-Lughod, 2018). Seguindo esta linha de raciocínio, a etnografia que proponho, circunscrita ao campo de saber antropológico, é parcial, maleável, e tem no seu bojo o caráter ficcional, porque falo de um tempo e lugar específicos, e possui marcas e experiências de quem a produziu (Strathern, 2017;Escoura, 2014).…”