Escrever sobre si é uma prática bastante antiga. Apesar disso, sua recorrência ainda é bastante atual, abarcando desde os suportes mais tradicionais, como o papel, até os novos suportes tecnológicos, como a internet. Ela ganhou até o status de pesquisa científica com as investigações de Philippe Lejeune, que se dedica ao estudo do tema desde 1970. Nesta pesquisa, também nos debruçaremos sobre a escrita íntima, investigando mais de perto um gênero da esfera autobiográfica: o diário pessoal. O escrevente de diário vê nele um confidente. Trata-se de uma forma de registrar os sentimentos e as sensações de momentos que precisam ser eternizados, na visão de quem os escreve. Ao analisarmos esse gênero, levamos em conta seu caráter intimista: é confeccionado em uma prática invisível, por isso quase nunca se sabe de alguém que escreva diários; quase nunca se pode vê-los; raras vezes, lê-los, principalmente se o autor estiver vivo. Nele, o sujeito relata o que há de mais íntimo; às vezes, aquilo que ele não tem coragem de dizer a ninguém, por isso, muitas vezes, é vetado o acesso de qualquer pessoa a eles. Devido a esse caráter íntimo, o diário pessoal nos chamou a atenção e nos convidou a investigá-lo mais de perto, detendo nosso olhar na seleção dos assuntos a escrever, na escolha de determinados elementos linguísticos para configurá-lo, nas funções que o sujeito assume dentro do gênero, na presença de recursos visuais inseridos nesses textos, como embalagens de produtos, figuras etc. Resumidamente, buscamos investigar os elementos linguísticos e/ou discursivos inseridos por dois sujeitos em diários que escreveram na tentativa de conhecer um pouco mais a respeito deles e de sua relação com a linguagem, o que nos leva a conhecer um pouco mais a respeito do próprio gênero em si. Para alcançar nossos objetivos, analisamos três diários escritos manualmente por dois sujeitos diferentes, ambos do sexo feminino, aqui referenciados pelas iniciais de seus primeiros nomes: K e C. A primeira escrevente tem 25 anos, é solteira e cursa Nutrição; a segunda tem 30 anos, é divorciada, tem dois filhos e recentemente concluiu o terceiro ano do Ensino Médio dedicado à Educação de Jovens e Adultos – EJA. Teoricamente, embasamo-nos na concepção de gênero postulada por Bakhtin (1997), cuja visão não exclui a possibilidade de emergência de um estilo individual. Ele acontece, mas há tipos genéricos que melhor propiciam sua emergência e desenvolvimento. Quisemos saber, com nossas análises, se o diário pessoal seria um gênero mais padronizado ou se ele permitiria ao sujeito a expressão de sua individualidade sem muitos entraves. Embasamo-nos, também, nas extensas investigações do pesquisador francês Philippe Lejeune (1971; 1997; 2006; 2007; e 2014) acerca de autobiografias de pessoas comuns. Quanto ao conceito de sujeito, buscamos subsídios na Psicanálise freudiana e nos estudos de Lacan.Nossas investigações indicam que a composição escrita desses diários se distingue em vários aspectos, desde a concepção formal e estrutural do gênero até a função que ele representa para as escreventes. Nesse sentido, cada escrevente apresentou faces peculiares e isso fez com que comprovássemos a teoria de Bakhtin de que existem gêneros mais padronizados e outros mais maleáveis que permitem entradas mais subjetivas, sendo o diário um gênero bastante flexível. Mesmo sendo assim, pudemos comprovar aparições do inconsciente nessas atividades.
Como citar:
SILVA, Jocelma Boto. O eu autobiográfico e suas funções: escrever a vida para que e para quem? orientadora: Márcia Helena de Melo Pereira. 2016. 143f. Dissertação (mestrado em Linguística) – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Programa de Pós-graduação em Linguística, Vitória da Conquista, 2016. DOI:https://doi.org/10.54221/rdtdppglinuesb.2016.v4i1.80 . Acesso em: xxxxxxxx