IntroduçãoEm teoria política, deliberação é um processo de intercâmbio público de razões, marcado pelo respeito, pela igualdade e por uma busca pelo bem comum. Ainda que o conceito tenha passado por sucessivas revisões, reinterpretações e adaptações, a ideia de que razões importam mostra-se fundamental para os deliberacionistas. Na visão desse conjunto diversificado de pesquisadores, a troca de justificativas é fundamental para a democracia, possibilitando que os cidadãos se esclareçam, as soluções mais complexas sejam produzidas e as decisões obtenham legitimidade. Razões, na visão dos deliberacionistas, viabilizam a superação de uma política regida pelas vontades individuais daqueles que ocupam posições de poder ou apenas pelos interesses dos grupos mais fortes.É justamente da aposta na racionalidade que nasceram muitas críticas aos deliberacionistas. Para alguns, os defensores da deliberação teriam se esquecido de que a política está fundada na competição por poder, para acreditar em uma prática ingênua e inviável (Sanders, 1997;Shapiro, 1999;Simon, 1999). Houve também quem se indignasse com a redução da política à razão, deixando de fora as emoções e as outras formas de comunicação que atravessam o fazer político (Young, 1996;Mouffe, 2005). Destacam-se, ainda, aqueles que buscaram argumentar que as arenas contemporâneas de debate público, muitas delas na internet, seriam efêmeras e superficiais, mostrando-se inóspitas à racionalidade deliberativa.Este artigo visa a discutir a noção deliberativa de racionalidade, desdobrando-se em dois objetivos fundamentais. Inicialmente, busca-se debater a própria ideia de racionalidade, que é cara aos deliberacionistas, contestando alguns mal-entendidos recorrentes na interpretação do conceito.O segundo objetivo do texto consiste na apresentação de um estudo quantitativo focado em discussões sobre direitos LGBT em quatro arenas online: Youtube, Facebook, comentários de notícias e Votenaweb.* O presente artigo foi produzido no âmbito do projeto "Deliberação online?", que conta com financiamento da Fapemig (Edital 01/2011, Processo: SHA -APQ-00544-11, e Edital 03/2013, Processo CSA -PPM-00211-13) e da Pró-Reitoria
419O que articula esses dois objetivos é a realização de um estudo empírico a partir da concepção mais ampla de racionalidade, embasada na matriz deliberacionista e abordada teoricamente na primeira seção, "Racionalidade e deliberação online". Com isso, o artigo se insere no debate conceitual por meio de uma dupla contestação: (1) nega-se a visão redutora de racionalidade adotada por alguns críticos da deliberação pública; e (2) nega-se o esvaziamento do potencial de fóruns online para discussões públicas. As visões que restringem a racionalidade a um processo cognitivo individualizado erguem barreiras quase insuperáveis tanto para que a teoria deliberacionista seja vista como plausível como para que arenas online sejam entendidas como instâncias percorridas pelo debate público.
Racionalidade e deliberação onlineRazão não é o oposto de emoção. Razão tampouco se c...