ArtigoO objetivo deste artigo é refletir sobre o uso dos objetos no tratamento psicanalítico da criança autista, na medida em que a relação com os objetos da realidade participa da constituição subjetiva de todo ser humano e é um instrumento importante para o diagnóstico diferencial de psicopatologias precoces graves, como o autismo.Atualmente, "a maior parte dos clínicos e dos educadores estão de acordo em considerar que a criança autista tem necessidade de apoiar seu pensamento em elementos concretos que lhe permitam organizá-lo progressivamente" (MALEVAL, 2009b, p. 225). Freud (1976[1908, p. 149-150, grifo nosso) mesmo já havia notado que toda criança necessita de "referentes materiais" para criar suas fantasias, de modo que elas atuam em suas brincadeiras o que os poetas têm a capacidade de fazer apenas com a sua imaginação:A antítese de brincar não é o que é sério, mas o que é real. Apesar de toda a emoção com que a criança catexiza seu mundo de brinquedo, ela o distingue perfeitamente da realidade, e gosta de ligar seus objetos e situações imaginados às coisas visíveis e tangíveis do mundo real. Essa conexão é tudo o que diferencia o 'brincar' infantil do 'fantasiar'.Se a citação acima nos esclarece a respeito da diferença entre o brincar e o fantasiar, a decrescente importância da concretude dos objetos para o brincar/ fantasiar das crianças aparece na seguinte passagem: "a criança em crescimento, quando pára de brincar, só abdica do elo com os objetos reais; em vez de brincar, ela agora fantasia. Constrói castelos no ar e cria o que chamamos de devaneios" (FREUD, 1976(FREUD, [1908, p. 151, grifo nosso). Na clínica com crianças em geral, o uso de objetos concretos impõe-se como condição para a circulação da cadeia significante e a importância do brincar na literatura psicanalítica sobre a infância nunca deixa de ser lembrada. Nos relatos de casos de crianças autistas, mesmo que seja comum existir um determinado objeto que se destaca na relação deste sujeito com os outros e com a própria realidade, 1 a ausência do brincar parece obliterar os usos que podem ser feitos deste objeto no tratamento psicanalítico do autismo. Nesse aspecto, não podemos esquecer dos trabalhos de Frances Tustin a respeito do objeto autístico e do caso de Joey, de Bruno Bettelheim (1987[1967).Porém, antes de passarmos às especificidades da criança autista, façamos uma explicação da importância do objeto para a constituição subjetiva de um modo geral, pois essa discussão permitirá que, ao final do artigo, possamos dialogar com autores contemporâneos.
O autista e a realidadeA característica mais marcante do autismo é a ausência de relações sociais. A criança autista tem dificuldade em interagir com outras crianças e até com seus parentes mais próximos, o que leva muitos observadores da primeira infância a dizerem que os autistas se fecham em si mesmos, sem se importarem com a realidade que os cerca. Essa afirmação aparentemente simples, do ponto de vista da psicanálise, coloca muitas interrogações: afinal, os autistas têm um "si mes...