As águas subterrâneas abastecem cerca de 50% de todos os municípios brasileiros, e sua crescente utilização deve-se à conjunção de condições climáticas, com excedentes hídricos importantes que possibilitam a recarga dos aquíferos, e ao arcabouço hidrogeológico do território nacional, constituído por vários aquíferos (porosos, fraturados e cársticos), associados às províncias geológicas e estruturais do país. Em função da importância das águas subterrâneas, isótopos estáveis de H e O vêm sendo empregados de maneira regular em estudos hidrogeológicos no Brasil desde a década de 1970. Observa-se um incremento em sua utilização no início do século XXI, associado ao estabelecimento de inúmeros grupos de pesquisa em hidrogeologia e ao desenvolvimento de técnicas analíticas que possibilitaram uma otimização analítica. O presente trabalho apresenta uma revisão sobre a aplicação de isótopos estáveis de H e O em estudos hidrogeológicos nos aquíferos brasileiros a partir de uma leitura crítica da bibliografia disponível, e divide-se em cinco capítulos. Inicialmente são apresentadas as bases teóricas para a aplicação de isótopos estáveis de H e O em estudos hidrológicos, seguida por uma revisão do conhecimento a respeito da composição isotópica da precipitação no país e seus controles, e do estado da arte da aplicação de isótopos estáveis no conhecimento hidrogeológico nacional. Finalmente são traçadas as lições aprendidas e apresentadas algumas oportunidades que se descortinam para as aplicações isotópicas em futuros estudos hidrogeológicos. Essa revisão permitiu a constatação de uma boa cobertura de dados isotópicos da precipitação, dados suficientes para estudos regionais, mas que apresentam uma defasagem temporal, pois a paralisação das observações nos anos 1980 prejudicou o monitoramento dos dados climáticos. De maneira geral observa-se que as maiores variações na composição isotópica são encontradas nos aquíferos de grande extensão e com porções confinadas, como os aquíferos da Bacia do Paraná e da Bacia Amazônica, refletindo condições de recarga pretéritas, estendendo-se por grandes períodos de tempo, entretanto a relação com aspectos climáticos e de posicionamento geográfico também acabam se refletindo na composição isotópica das águas subterrâneas. Apesar do número crescente de estudos que utilizam isótopos estáveis de H e O, especialmente nos aquíferos sedimentares mais importantes, existem desafios vislumbrados, que oferecem inúmeras novas possibilidades científicas. Observou-se que não existe, dentre os trabalhos analisados, uma visão holística acerca da movimentação da água no ciclo hidrológico, partindo da compreensão da associação existente entre os fenômenos climáticos de larga escala e a recarga das águas subterrâneas. O mesmo vale para a sua aplicação conjunta com outros traçadores isotópicos (gases nobres e isótopos radioativos, por exemplo), com reconhecido potencial para fornecer estimativas de tempos de trânsito e misturas de águas, além de estudos voltados à compreensão das interações entre águas subterrâneas e superficiais.