A medicalização é um fenômeno historicamente constituído que abrange dimensões da educação, saúde, cultura, trabalho, indústria, enfim, das relações sociais e experiências subjetivas. Trata-se de um projeto cientificista que compreende, a partir de uma perspectiva reducionista e individualizante, processos de saúde-doença que envolvem complexos, diversos e inter-relacionados aspectos da existência - biológicos, psicológicos, sociais, históricos, estruturais, institucionais. Atentando para a presença desse fenômeno no cotidiano do nosso tempo, a presente pesquisa visou compreender as percepções e vivências da população sobre quatro fenômenos medicalizáveis: alterações no sono, no apetite, na concentração e na motivação. Para tanto, aplicou-se um questionário virtual avaliando frequência e motivos identificados pelos sujeitos para tais fenômenos. Os dados foram analisados por metodologia quantitativa e qualitativa e indicam prevalência dos quatro fenômenos superior a 90%. Constata-se também que, em 60 a 80% dos casos, os participantes associam alterações de sono, apetite, concentração e motivação a problemas da vida cotidiana, como sobrecarga de atividades, problemas econômicos e relacionais. Aponta-se para uma associação significativa entre fenômenos medicalizáveis e cenário de vida dos afetados, o que implica atentar para uma precarização estrutural da qualidade de vida e, por outro lado, para os riscos da medicalização sem a problematização do contexto. Tal panorama consiste num alerta para profissionais de saúde, cuja prática diagnóstica pode prematuramente patologizar de modo individual fenômenos de formação complexa.