Buscamos analisar as construções identitárias articuladas pelos adeptos das religiões de matriz africana em seus processos de inserção no espaço público contemporâneo. De um modo mais específico, trata-se de analisar os discursos identitários empreendidos por coletivos religiosos afro-brasileiros em seus empreendimentos de legitimação, com centralidade analítica em uma situação social específica: a “polêmica da sacralização de animais”, situação controversa que envolveu um amplo debate social e jurídico acerca dos cultos de matriz africana na sociedade brasileira, ocorrido entre os anos de 2003 e 2019. Ativada por processos legislativos que propunham proibir as práticas de imolação de animais em rituais religiosos no país, tal polêmica atingiu em cheio as comunidades religiosas afro-brasileiras, situação que demandou de seus adeptos diversos agenciamentos de ordem sociopolítica, os quais envolveram a articulação de renovados discursos identitários destinados não apenas aos processos de configuração de pertenças coletivas, mas ainda em termos de estratégias de legitimação social. Conforme será demonstrado, a lógica dos discursos de legitimação empreendidos nesta experiência conflitiva (processada por quase duas décadas) sinaliza um deslocamento nas estratégias identitárias dessas comunidades religiosas, as quais deixam de se pautar pela configuração de um discurso centrado na legitimidade de uma religiosidade específica (em quadros de laicidade e pluralidade religiosa) para se rearticular enquanto religião de minoria étnica e ligada a identidades racializadas. Como iremos propor, tal movimento se constitui como tendência discursiva ligada a aproximação dessas comunidades com a esfera pública contemporânea, através da qual se configuram novas identidades conjugadas por estratégicas vinculadas a contextos de sedimentação de políticas afirmativas e valorização da diversidade cultural.