Em meu último trabalho de campo em Havana, onde desde 2005 pesquiso práticas mediúnicas espíritas -conhecidas simplesmente como "espiritismo" -decidi focar no levantamento de histórias de pessoas sobre seus espíritos protetores -os muertos. Fui levada a isso ao observar, com o passar do tempo, uma ausência clara e enigmática desses discursos nos meus dados sobre espiritismo; uma lacuna estranha, pensei, já que eu passara mais de vinte meses quase exclusivamente dedicada a mapear as vidas de médiuns cubanos e seus muertos.Como outros cultos social e historicamente permeáveis da América Latina -como a umbanda brasileira (Hayes 2011), a brujería porto-riquenha (Romberg 2009) e a Maria Lionza venezuelana (Férrandiz 2004) -o chamado espiritismo "cruzado" cubano (cf. Mederos & Hodge Limonta 1991) evoca os múltiplos fantasmas do imaginário étnico e econômico da ilha -de índios nativos, africanos e europeus coloniais até jesuítas missionários, ciganos, muçulmanos, chineses e, mais recentemente, empresários, prostitutas e trabalhadores de meados a fins do século XX. De forma semelhante a esses outros cultos mediúnicos, esta variedade não compreende simplesmente um "inventário curioso e genérico de pessoas trazidas à ilha para trabalhar" (Garoutte & Wambaugh 2007:160), mas pode refletir uma lógica constitutiva generativa, ontologicamente inclusiva, da versão cubana de espiritismo, evidenciada ainda pela aliança ritual histórica com suas religiões afro-cubanas irmãs (cf. Brandon 1997; Palmié 2002:192).Mas por mais variadas e multicoloridas que sejam as identidades dos espíritos nos círculos espíritas, muito pouco é de fato articulado sobre eles em nível pessoal, biográfico. Narrativas biográficas pormenorizadas são relativamente raras, mesmo que descrições físicas apresentem detalhes minuciosos (que tipo de calçado usam, que cor tinham seus olhos). Quem são esses muertos? O que dá particularidade às suas vidas (e mortes)? Dada a sua