Devoções, festas e sociabilidades /Entre a política e a religião: uma análise da imprensa periódica feijoísta, na conjuntura de 1834 a 1835, 207-229/[ 207 ]Entre a política e a religião: uma análise da imprensa periódica feijoísta, na conjuntura de 1834 a 1835
IntroduçãoOs séculos XVIII e XIX foram palco de uma verdadeira simbiose entre um modus vivendi tipicamente Antigo Regime e a consolidação do moderno Estado constitucional e da democracia política. Desse modo, se por um lado tal contexto atestou aquela progressiva autonomização das esferas sociais em relação à religião -fenômeno reconhecido como a secularização das instituições, situado no cerne da modernidade ocidental (DOBBELAERE, 1981) -por outro, tal processo não significou o desaparecimento da religião confrontada com a racionalidade, senão sua adaptação e reformulação em novos termos, fruto de combinações complexas entre a perda do domínio dos grandes sistemas religiosos e as reconfigurações da religião por sociedades que continuaram reivindicando-na como condição para pensarem-se a si mesmas como autônomas. (HERVIEU-LÉGER , 2004, p. 37).Nesta perspectiva, a crítica da religião e a posterior separação institucional entre a Igreja e o Estado não eliminou a participação ativa do próprio clero no processo em curso e, tampouco, promoveu uma completa substituição da fé pela razão, ou da religião pela ideologia nacionalista. Assim, não foram incomuns casos em que se buscou constituir a nação como uma comunidade de fiéis utilizando-se símbolos cristãos para "sacralizá-la", ou lançando-se mão da liturgia religiosa para comemorar a nação, processo no qual o apoio fornecido pelos religiosos à causa nacional mostrou-se fundamental. (HAUPT, 2008, p. 77-94) No caso brasileiro, por exemplo, embora aclamado pelo povo num ato festivo que o instituía Imperador constitucional do Brasil, a legitimidade de D. Pedro I não pode prescindir de sua coroação. Ritual que, se por um lado simbolizava uma ruptura com liturgia real portuguesa -pois, tal cerimônia inexistia na monarquia portuguesa -, por outro, reivindicava uma legitimidade conferida pela religião, ocorrendo no recinto fechado da capela real, num ritual organizado pela Igreja católica, em 1º de dezembro de 1822. (SOUZA, 1999, p. 259) Da mesma forma, ocorrida a independência, em 1822, a construção do Estado e da Nação brasileiros revelou-se processo tributário de complexas articulações entre o caráter profundamente religioso da organização política herdada e as inevitáveis reconfigurações do lugar conferido à religião e à autoridade da Igreja católica, cujos| Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano VII, n. 21, Jan/Abr de 2015 Doi:10.4025/rbhranpuh. v7i21 ISSN 1983-2850 -Devoções, festas e sociabilidades /Entre a política e a religião: uma análise da imprensa periódica feijoísta, na conjuntura de 1834 a 1835, 207-229/