*Correspondência:Caixa postal 04451 Brasília -DF Cep 70904-970 bioetica@unb.br RESUMO A auto-hemoterapia é uma prática de uso clínico crescente, mas com potencial risco à saúde dos indivíduos, uma vez que se trata de procedimento terapêutico sem comprovação científica. Até o momento não existem estudos clínicos que comprovem a eficácia e a segurança deste procedimento; apenas pesquisas experimentais com resultados questionáveis, tanto em seres humanos quanto em animais. Nos últimos anos, a área de Vigilância Sanitária (VS) do Ministério da Saúde ampliou suas ações preventivas e de controle de riscos tanto no âmbito privado como coletivo. As ações da VS têm, muitas vezes, como base o poder legal de polícia administrativa que a legislação lhe confere. Esse poder é entendido como a faculdade que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Recentemente, o Estado, por meio do poder de polícia da VS, interveio na prática da auto-hemoterapia no Brasil. O presente estudo analisa e defende a ação interventiva da VS na prática clínica da auto-hemoterapia no país, tendo como base de sustentação argumentativa os "Quatro Pês" desenvolvidos pela chamada "Bioética de Intervenção" -prevenção, proteção, precaução e prudência.UNITERMOS: Auto-hemoterapia. Vigilância Sanitária. Poder de polícia. Bioética de Intervenção. Prevenção, proteção, precaução e prudência.
AUTO-HEMOTERAPIA, INTERVENÇÃO DO ESTADO E BIOÉTICA
INTRODUÇÃOA defesa e a proteção da saúde surgem no aparato legal brasileiro por meio das constituições federais de 1937, 1946, 1967, culminando com a de 1988. Referem-se à competência do Estado de legislar sobre a saúde, ganhando ênfase com a criação do Ministério da Saúde (1950) e a necessidade de um espaço institucional que acompanhasse o desenvolvimento industrial e tecnológico 1,2 . Nesse contexto, a Vigilân-cia Sanitária surge inicialmente como um conjunto de ações que visava ao controle dos riscos relacionados à circulação de mercadorias e à força de trabalho 3 . Atualmente, Vigilância Sanitária é entendida como um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde 4 . As práticas da Vigilância Sanitária, no entanto, sobretudo com a nova concepção da saúde pública revelada ao final do século XX, ampliam as opções de prevenção e controle de risco no sentido da precaução, implicando não apenas no âmbito individual, mas também na perspectiva coletiva: "O fenômeno social traduzido no princípio de precaução levou, igualmente, ao desenvolvimento de uma filosofia da precaução, construída com base em uma história da prudência, que revela, a princípio, o domínio do paradigma da responsabilidade, substituído -na passagem para o século XX -pelo da solidariedade. É a segurança -o novo paradigma, em fase de formação -que dá às obrigaçõe...