Resumo: Em psicologia, à perspectiva dialógica estão associadas teorias do self, em especial a Teoria do Self Dialógico (TSD). Embora avanços consistentes venham sendo alcançados no que se refere à compreensão da organização dinâmica da estrutura do self no tempo microgenético, a teoria carece de estudos que se aprofundem na compreensão do desenvolvimento do self, tomando-se por base os distintos níveis temporais e suas relações. Este estudo propõe explorar essa lacuna, tomando por ponto de partida a tríade epistemológica da abordagem dialógica, a saber, suas bases semiótico-culturais, fenomenológicas e construcionistas. Em seguida, apresentará um estudo de caso em que serão analisadas as transições de desenvolvimento de um adolescente, considerando-se os complexos semióticos de gênero, raça e religião e seu papel nas transformações vividas em termos da organização temporal do self.Palavras-chave: desenvolvimento humano, enfoque dialógico, processos de estabilização, teoria dos campos afetivos, hiperindividualização.* Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq. (310848/2013-0) Endereço para correspondência: mcsloliveira@gmail.com
IntroduçãoAo se considerar as bases semiótico-culturais, fenomenológicas e construcionistas que participam do arranjo epistemológico que fundamenta a psicologia dialógica, um aspecto importante que a pesquisa na área deve considerar diz respeito ao conceito, ao papel e às relações estabelecidas entre estrutura, experiência e tempo. Tal questão é central para o campo de investigação dos processos de desenvolvimento humano e, em particular, quando o interesse investigativo volta-se à construção temporal do senso de unidade psicológica da pessoa, ou self, em meio à multiplicidade de experiências singulares vividas, interesse deste artigo.No que se refere à investigação do desenvolvimento humano, há estudos recentes que se dedicaram a aprofundar a compreensão do fenômeno da mudança psicológica à luz da perspectiva dialógica (cf. Hermans & A. HermansKonopka, 2010, Moore, Jasper & Gillespie, 2011Zittoun, 2014), mas esses acompanham a tendência de olhar de forma mais enfática para os processos de transição, as passagens e rupturas do que para possíveis momentos de estabilização, que a dinâmica desenvolvimental possa promover. A nosso ver, o foco investigativo sobre mudanças é de fundamental importância para o tema do desenvolvimento humano, mas a ênfase demasiada sobre a dinamicidade da organização do self leva a modelos interpretativos nos quais deixa-se pouco espaço para a estabilidade psicológica, ou, em que os processos de estabilização tendem a se confundir com interrupção do desenvolvimento.A reflexão sobre movimentos de estabilização remete a outras indagações, que se referem à existência e à natureza de algo que se poderia denominar o núcleo mínimo do sistema de self, algo que constitua ou se converta em pessoal e singular, permanecendo relativamente íntegro no tempo, em meio à pluralidade de experiências pessoais e aos processos intransitivos de desenvolvimento. Assim sendo, o ob...