Neste artigo, são analisadas as perspectivas feministas na criminologia, em particular, os discursos sobre criminalidade feminina e construção do género. Parte-se de uma visão ampla sobre feminismos e construção de conhecimento e apresenta-se uma revisão histórica da emergência e da consolidação das perspectivas feministas na criminologia. Discute-se em particular o argumento feminista de que a construção social do género pauta os percursos de vida das mulheres que transgridem, e se reflecte na resposta formal e informal a essas transgressões. São analisadas as principais críticas tecidas pelas autoras feministas ao que designam de 'discursos tradicionais' sobre mulher e crime e as propostas que apresentam de reconstrução desses discursos.
Palavras-chave:Criminalidade feminina, Género, Perspectivas feministas.
FEMINISMO(S) E CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOA emergência de estudos científicos que conceptualizam a variável género e lhe conferem um papel de destaque, quer na criminologia quer noutras áreas de conhecimento, é indissociável do movimento feminista. Após uma primeira vaga, cujo início é geralmente situado na segunda década do século XX, o feminismo ressurge nos anos sessenta associado a movimentos sociopolíticos de libertação (Messerschmidt, 1995) 2 . É nesse contexto que jovens mulheres se indignam ao perceber que os seus companheiros de 'luta libertária' as vêm apenas como assessoras, quer de trabalho quer de prazer sexual. Essa indignação, associada às ideias de Simone de Beauvoir, que analisa no seu livro Le Deuxième Sexe (1952) . A criação do texto original enquadra-se no desenvolvimento de uma tese de doutoramento (com apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia -SFRH/BD/8664/2002). Para prestar homenagem à Doutora Carla Machado não poderia deixar de seleccionar um texto construído em estreita colaboração entre nós, naquela que foi a sua primeira orientação de doutoramento. Ao recordar a sua orientação, deixo o testemunho de uma grande lição e de um exemplo a seguir. 2 Embora a segunda década do século XX reúna maior consenso enquanto data da primeira vaga do movimento feminista, sugere-se que esta vaga tem início na década de trinta do século XIX com o movimento abolicionista no contexto norte-americano (Messerschmidt, 1995).A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: