Marginalidade, etnicidade e penalidade na cidade neoliberalUma cartografia analítica* Gostaria de começar estendendo os meus mais calorosos agradecimentos aos participantes desta conferência -é melhor fazer isso logo porque depois provavelmente ocorrerão divergências muito marcantes. Trata-se de um paradoxo, mas um dos principais obstáculos ao progresso nas ciências sociais nos dias de hoje reside na organização social e temporal da pesquisa, devido à invasão descontrolada das agendas, à sobrecarga de trabalho e à multiplicação de missões sem uma expansão correspondente dos recursos necessários para implementá-las. Isso explica por que dificilmente temos incentivos concretos, nem sequer simplesmente o tempo, para sentar e ler, com atenção, os trabalhos de outros pesquisadores, mesmo aqueles que nós necessitaríamos digerir para podermos nos manter atualizados em nossas próprias áreas de especialidade. São ainda menos frequentes as oportunidades de nos encontrarmos com grupos de colegas provenientes de campos diferentes, que assumiram a tarefa de dissecar um corpus de escritos a fim de entabularmos uma discussão concentrada sobre ele, capaz de ajudar cada um a avançar em seu próprio caminho de pesquisa. Temos, hoje, uma rara ocasião desse tipo, graças à energia e ao talento que Mathieu Hilgers despendeu nos bastidores para organizar este encontro. Sou muito agradecido a ele e também aos sociólogos, geógrafos, criminólogos e antropólogos que estão juntos nestas discussões e à grande plateia que veio ouvir e -mais do que isso, espero -contribuir para nossos debates com perguntas e reações ao vivo. O que eu gostaria de fazer hoje aqui, precisamente, é servir como uma central telefônica humana para ativar a comunicação entre os pesquisadores que normalmente não se encontram uns com os outros e, por conseguinte, não falam uns com os outros, ou o fazem muito raramente e à distância, a respeito dos três assuntos que ancoram as três temáticas desta jornada. De um lado, temos as pessoas que estudam a fragmentação de classe na cidade após o colapso da classe trabalhadora tradicional, egressa da era fordista e keynesiana (isto é, grosso modo, o longo século que se estende de 1880 a 1980) sob a pressão da desindustrialização, do aumento do desemprego de massa e da difusão da precariedade do trabalho, na intersecção do que Robert Castel (1996) coloca sob a noção de "erosão da sociedade assalariada" e do que Manuel Castells (2000) chama de "buracos negros" do desenvolvimento urbano na "era da informação". Esses estudiosos estão preocupados com as tendências do emprego e do mercado de trabalho e com seus impactos polarizantes, que se ramificam nas estruturas sociais e espaciais, conduzindo, em particular, na base da escala de classes e lugares, à gênese inacabada do precariado pós-industrial na periferia urbana, no limiar do século xxi. No entanto, eles praticamente não se envolvem em uma discussão sustentada com seus colegas que, de outro lado, estão estudando as clivagens étnicas, suas fundações, formas e implicações.Assentada...