Uma análise exploratória sobre seleção e inclusão no Ensino Superior brasileiro: do mérito herdado ao mérito relacional

Abstract

Resumo Este artigo tem por objetivo propor uma análise exploratória sobre os sentidos do mérito nas políticas de inclusão no ensino superior brasileiro. O estudo focaliza o Enem, o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), a Lei de Cotas de 2012 e o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (PIMESP) das Universidades Estaduais Paulistas. O texto inicia-se com uma discussão sobre o mérito, a partir de produções clássicas e contemporâneas, para tratar, em seguida, das mudanças ocorridas nos princípios organizadores das políticas de seleção e acesso ao ensino, que passaram do mérito universal ao mérito relacional. A terceira parte trata de algumas ações institucionais que conjugaram o ENEM, a Lei de Cotas de 2012 e o Sisu como exemplos de articulação entre o mérito universal e o relacional no ingresso. O Pimesp, ao abolir critérios vinculados ao mérito relacional, acabou sendo objeto de muitas críticas. O artigo destaca a necessidade de que a revisão da referida Lei de Cotas, prevista para 2022, preserve este importante mecanismo de inclusão. A expansão do ingresso no ensino superior traz também desafios em relação às políticas de permanência e de egressos para que estas levem em conta a dimensão relacional do mérito.

Os méritos e as concepções do problema do acesso ao ensino superior no Brasil

“…É verdade que os sentidos, as definições do que era socialmente valorizado, a cada momento, variaram, expressando os resultados das lutas pela imposição das percepções, crenças e práticas dos grupos hegemônicos (Barbosa;Pires, 2022).…”

“…Estudo de Clancy e Goastellec (2007 apud Barbosa;Pires, 2022, p. 12) identificou três princípios de organização de políticas de seleção para o sistema de ensino superior: "mérito herdado", "mérito universal" e "mérito relacional".…”

“…O mérito herdado, "muito mais patrimonial que propriamente meritocrático" (Barbosa;Pires, 2022, p. 25), associado às marcações de origem (social, racial, gênero, etc. ) Nesse caso, o problema do acesso, como ficou caracterizado na denominada "Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental na República" e depois no Decreto nº 11.530 de 1915, era a escola frequentada no ensino secundário e o consequente aprendizado de determinados conteúdos.…”

“…Essa compreensão do problema expressou-se na instituição de programas públicos de subsídios para acesso às instituições privadas (FIES e PROUNI) e na reserva de vagas nas instituições públicas, primeiro por iniciativa delas e depois por meio da Lei nº 12.711/2012. O mérito universal passava a ser conjugado com o mérito relacional, isto é o princípio da igualdade (no acesso) vinha associado ao "da diferença (handicaps) na estrutura de oportunidades" (Barbosa;Pires, 2022, p. 13).…”

“…A reserva de vagas, por seu turno, flexibilizava o princípio da igualdade de oportunidades em que se assentava o mérito universal até então vigente, alterando substancialmente o processo seletivo de ingresso "ao estabelecer a concorrência pelas vagas entre pessoas com trajetórias sociais similares, entre as quais poderia haver uma comparação mais justa [...] ( Barbosa;Pires, 2022, p. 19).…”