ResumoO ensaio bibliográfico analisa a literatura que ficou conhecida como virada ideacional. Seu objetivo é, primeiro, resumir as críticas dessa literatura às perspectivas institucionalistas com as quais ela dialoga; segundo, sistematizar suas vantagens teóricas e, por fim, identificar o ferramental metodológico utilizado pelos autores que se filiam a ela. O ensaio baseia-se na análise de uma ampla gama de livros e artigos publicados sobre o assunto nos últimos 20 anos. Por meio dessa revisão bibliográfica, fomos capazes de mostrar como a literatura da virada ideacional permite incluir as ideias nas explicações dos fenômenos políticos. A inclusão das ideias, por sua vez, exige uma postura metodológica pluralista que pode significar avanços importantes para a ciência política.Palavras-chave: virada ideacional; institucionalismo discursivo; construtivismo; comparação; process tracing.
I. Introdução 1A partir dos anos 1990, ocorreu na literatura especializada em diversas áreas (relações internacionais, políticas públicas, política econômica) o que se convencionou chamar de "virada ideacional" (ideational turn) (Hay 1996;2008;Goldstein 1988;Goldstein & Keohane 1993;Berman 1998;Blyth 1997;Béland 2005; 2009b;2010;Béland & Hacker 2004;Schmidt & Radaelli 2004; Schmidt 2010;Schmidt & Thatcher 2013). Assumindo postura crítica diante dos limites explicativos dos diversos institucionalismos até então vigentes (escolha racional, histórico e sociológico), a "virada ideacional" defende que somente a inclusão das ideias dos atores políticos poderia explicar adequadamente os processos decisórios. Assim, em termos muito gerais, essa literatura defende que ideias importam.Essa proposição, no entanto, não é nenhuma grande novidade. Os clássicos das ciências sociais são pródigos em defender tal premissa, com mais ou menos estofo empírico, em diversos trabalhos. Alexis de Tocqueville e Max Weber são, nesse quesito, dois exemplos incontornáveis. Max Weber é, aliás, o autor clássico mais citado pela literatura aqui revisada, em função da famosa passagem na qual o sociólogo alemão se refere às ideias como "manobreiros que determinam os trilhos pelos quais a ação é impulsionada pela dinâmica dos interesses" (Weber 1981, p.280). Não menos importante são as considerações de Tocqueville sobre os aspectos intelectuais da Revolução Francesa e o sentido quase religioso que a filosofia do século XVIII deu à Revolução ao pensar o homem abstrato e seus direitos universais (Tocqueville 2003). Mesmo no terreno menos fértil do marxismo clássico, não podemos esquecer as considerações de Engels, em carta a Bloch, sobre o papel desempenhado na história pela "tradição que perambula como um duende no cérebro dos homens" (Engels s.d., pp.284-285) ou as referências de Marx ao peso opressivo do passado sobre o cérebro dos vivos (Marx s.d., p.203).