Abordamos comparativamente duas peças audiovisuais produzidas, uma em 1975 e outra em 2019, para comemorar laudatoriamente o golpe militar de 1964 no Brasil. A análise focaliza pontos obscuros relativos à sua realização, divulgação e filiação institucional; a interlocução posta em cena; a narrativa repetida; a estabilização de alguns objetos de discurso, e, no caso do vídeo de 2019, uma fissura na sintaxe. Encontramos entre os dois vídeos nítidas relações parafrásticas, mas também anacronismos e diferenças relevantes que dizem respeito às formações imaginárias na interlocução, à construção das entidades em conflito e às modalidades de ênfase e refutação. A partir dos resultados, hipotetizamos o atravessamento atual da regularização de um discurso militarista e autoritário por traços específicos de movimentos recentes.
Desde 2020, circulam, no Brasil, exigências de responsabilização do poder estatal, fundamentalmente do governo federal, pelas vítimas da pandemia de COVID-19. Em muitos casos, se trata de familiares de vítimas que já ganharam expressão orgânica em pelo menos uma associação de alcance nacional. Neste artigo, no quadro teórico-metodológico da análise materialista do discurso, partimos da hipótese de que as formulações de exigência de responsabilização do poder público pelos alcances letais da pandemia de COVID-19 no Brasil são atravessadas por uma memória discursiva de lutas anteriores por justiça contra agentes da violência de Estado na América Latina. Nosso objetivo é identificar traços dessa relação interdiscursiva em depoimentos de familiares organizados e em manifestações públicas de outros agrupamentos. Os resultados que aqui exporemos mostram, na regularização em andamento dessas novas vozes e demandas, efeitos de paráfrase em relação aos movimentos sociais deflagrados por ciclos anteriores de violência de Estado, fundamentalmente de familiares de desaparecidos por razões políticas. Identificamos esses efeitos em três planos: nas modalizações no metadiscurso que sinaliza a passagem da voz do familiar do espaço íntimo para o espaço público; na reivindicação para si de um lugar autônomo e na demanda de “verdade” entendida como revelação pública daquilo que o Estado ocultou.Palavras-chave: Memória discursiva. Familiares de vítimas da COVID-19. Movimentos de direitos humanos. Modalização no discurso.
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