Não seria nenhum exagero afirmar que, a Enfermagem Nightingaleana nasceu sob o signo da luta. Forjada nos horrores da guerra da Criméia, essa profissão pode ser considerada sinônimo de intrepidez, ousadia, bravura e coragem.Seus primeiros passos ocorreram em outubro de 1854 quando trinta e oito mulheres, incluindo Florence Nightingale, iniciaram uma viagem de 295 milhas náuticas, navegando pelo perigoso Mar Negro, saindo de Balaklava - Criméia em direção à base britânica de operações de guerra em Scutari. Ao chegarem no front, constataram que os suprimentos médicos eram escassos, a higiene era terrível e as infecções eram comuns entre os soldados feridos. Não havia equipamentos básicos para desenvolver qualquer tipo de atividade assistencial, o comando das tropas era indiferente a estes problemas e havia grande sobrecarga de trabalho daqueles que ali estavam para realizar qualquer tipo de cuidado. Algo que acompanharia o processo de trabalho dessa profissão que começava a se desenhar.A constatação de que os soldados ingleses morriam muito mais por doenças como Febre Tifoide e Cólera do que por ferimentos em campo de batalha, levou Florence Nightingale a registrar estes fatos, utilizando-se de formas estatísticas, o que mais tarde lhe conferiria lugar de destaque nesta área do conhecimento. Todas as informações foram posteriormente apresentadas ao governo britânico, apenas seis meses após sua chegada a Scutari. Disso resultou a criação de uma comissão sanitária enviada ao front e a promoção de limpeza nas enfermarias, abertura de aterros para destinação de poluentes e sobretudo, melhoria da ventilação no acampamento, bem como, a adoção de medidas simples, mas muito importantes de limpeza e assepsia. A aceitação destas medidas fez despencar a mortalidade e aumentar o moral nas tropas.Depois de seu retorno a Londres, Florence reuniu as evidências estatísticas que encaminhou para a Comissão Real de Saúde, defendendo a importância da melhoria e manutenção de boas práticas sanitárias em ambientes hospitalares, fato que contribuiu para a criação do Fundo Nightingale para a formação de enfermeiras. Em 09 de julho de 1860, Florence inaugurou uma Escola de Treinamento anexo ao Hospital Saint Thomas, hoje transformada em Escola de Enfermagem e Obstetrícia Florence Nightingale que é parte do King's College de Londres.1Da luta nos campos de batalha da guerra da Criméia, para a luta em todos os locais do mundo onde se vive os horrores da pandemia causado pelo SARS-Cov-2, a Enfermagem viveu apenas uma mudança de cenário, pois, a luta nunca parou de existir, só que agora em dimensões mundiais. Confirmando sua vocação para a luta e liderança nas açoes de mudança.Para a Organização Mundial de Saúde, nenhuma agenda global pode ser concretizada sem esforços articulados e sustentáveis para maximizar a contribuição da força de trabalho da Enfermagem e seu papel em equipes de Saúde multiprofissionais, afirmou o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), em parceria com o Conselho Internacional de Enfermagem (CIE) e a campanha global Nursing Now.2Neste momento, particularmente no Brasil, a Enfermagem está vivenciando mais uma luta, dentre as tantas que já travou. De ponta a ponta deste país continente, Enfermeiros, Técnicos, Auxiliares e Parteiras se mobilizam para evidenciar o valor desta profissão em meio a pandemia que nos acomete. Grande parte da população brasileira reconhece essa luta e a maioria significativa dos quase dois milhões e meio de profissionais passou a assumir a posição de soldado nesta batalha.Tramitam, neste exato momento no judiciário brasileiro, doze (12) Projetos de Lei que solicitam alteração na Lei 7.498 de 1986 que dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências, e sugerem melhoria salarial para os exercentes das quatro (4) categorias: PL 459/2015; PL 2982/2019; PL 1876/2019; PL 1268/2019; PL 10553/2018; PL 9961/2018; PL 1823/2015; PL 1477/2015; PL729/2015; PL 597/2015; PL 2564/2020 e PL 2997/2020.1Há também seis (06) projetos de lei que abordam mudanças na Jornada de Trabalho, buscando fixar em trinta (30) horas semanais o período de trabalho das categorias: PL 2295/2000 e apensados PL 6091/2016; PL 1607/2019; PL 1313/2019; PL 1384/2019; PLS 3739/2020. Além do PL 4998/2016 que sugere mudanças em relação ao repouso digno para esses profissionais.1Como é possível se verificar, a luta da Enfermagem não é travada apenas nas enfermarias lotadas onde cada enfermeiro um vira dez, desafiando a própria matemática e em extenuantes plantões, eivados de acontecimentos que alteram, sensivelmente, o sentimento daqueles que, arriscando sua própria vida, tenta salvar a vida de outros.Por tudo isso, também não se constitui nenhum exagero dizer: A Enfermagem, é importante e reconhecida, mas, ainda não. Essa frase parece contraditória e, portanto, necessita de alguns esclarecimentos. O grande desafio da Enfermagem nos dias atuais é, exatamente, assumir sua importância e reconhecimento no âmbito das demais profissões da área da saúde.Entre ser e assumir ser, existe uma grande distância. Para tentar explicar essa inquietante afirmativa, recorremos aos conhecimentos da Filosofia e ao legado de Aristóteles, que nos deu conhecimento de duas importantes categorias explicativas que certamente iluminarão essa aparente contradição.Ao tratar da realidade em si mesma, Aristóteles estabeleceu as categorias Ato e Potência. De certa forma, elas explicam dialeticamente, o motor da história e, a processualidade do tempo, pois, “o movimento da vida parte sempre da Potência ao Ato, do seu sucesso ou do seu insucesso”. Vale lembrar que, ambas as categorias (Ato e Potência) estão em articulação continua. Em certas situações, Potência é Ato e em outras, Ato é Potência, sendo exatamente essa condição aquilo que promove a circularidade do movimento da vida.3Aristóteles nos explica que, Ato é aquilo que já é, enquanto Potência é aquilo que virar a ser. Na tentativa de ser mais explícita recorro ao exemplo da passagem da madeira para a condição de móvel. A madeira vem das árvores, que Aristóteles, filosoficamente, considerou Ato e, em Potência, se tornam cadeiras, mesas, etc.Retomando a frase proposta e sua aparente contradição “A Enfermagem, é importante e reconhecida, mas, ainda não”, assumimos que, filosoficamente, ela é Ato, isto é, uma importante profissão dentre várias outras da área da saúde, mas lhe faltava a Potência para ser reconhecida como tal. Creio que, a estamos encontrando e, por isso, A LUTA DEVE CONTINUAR.
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