Este estudo apresenta um diagnóstico de como o uso do transporte individual motorizado e do transporte coletivo tem evoluído desde o início dos anos 2000 nas cidades brasileiras. Nós analisamos dados sobre mudanças no padrão de consumo de bens e serviços de transporte, o aumento de renda das famílias, além da evolução dos custos de transporte urbano, da demanda por transporte público e da frota de veículos no país nos últimos vinte anos. Em todas as dimensões analisadas, os dados apresentam uma trajetória gradual e persistente de substituição do consumo de transporte coletivo pelo individual motorizado, principalmente entre as classes médias e baixas, e nas cidades de médio e pequeno porte. O estudo aponta ainda como essas mudanças têm se refl etido na contínua deterioração das condições de mobilidade e no consequente aumento no tempo que as pessoas passam no trânsito, afetando de maneira desigual a população, de acordo com nível socioeconômico, gênero e cor. Por fi m, nós mostramos como a crise econômica e de saúde pública gerada pela pandemia da Covid-19 teve um profundo impacto na redução dos níveis de mobilidade urbana e, em particular, na intensifi cação da queda do número de passageiros do transporte público ao longo de 2020. Com isso, a crise do novo coronavírus deve aprofundar o ciclo vicioso de perda de passageiros e elevação de tarifas no transporte público e acentuar a tendência histórica de substituição do transporte coletivo pelo individual nas cidades brasileiras. Ao fi nal, são apontadas algumas sugestões para políticas públicas que poderiam contribuir para mudar essas tendências.
Dados sobre características sociodemográficas da população brasileira e de localização de empregos e serviços públicos nas cidades do país são fundamentais para o desenvolvimento de diversas pesquisas e políticas públicas. No entanto, esses dados no Brasil muitas vezes são de difícil acesso, ou são disponibilizados em resoluções espaciais conflitantes, e exigem uma grande capacidade computacional para seu processamento adequado. Este texto para discussão apresenta a base de dados sociodemográficos e uso do solo criada no Projeto Acesso a Oportunidades, bem como descreve os métodos utilizados em seu desenvolvimento. A base de dados consiste em uma grade de hexágonos de alta resolução (área 0.11 km2) que agrega as informações sobre a distribuição espacial da população (segundo idade, sexo, renda, cor/raça), de empregos e de serviços públicos, como escolas (nível infantil, fundamental e médio), estabelecimentos de saúde (serviços hospitalares e ambulatoriais de baixa, média e alta complexidade) e centros de referência de assistência social (Cras). Nesta versão, a base de dados traz essas informações para as maiores cidades do Brasil. Esta base é publicamente disponibilizada pelo Ipea pelo site do Projeto Acesso a Oportunidades e por meio do pacote de R aopdata. Espera-se que este trabalho facilite que pesquisadores e gestores públicos possam mais facilmente acessar e utilizar dados de alta qualidade nos processos de tomada de decisões de planejamento e política públicas.
Um dos principais objetivos das políticas de transporte é melhorar o acesso da população a oportunidades de emprego, serviços públicos e áreas de lazer. Por isso, um número cada vez maior de agências de transporte e de financiamento tem buscado incorporar estudos de acessibilidade nos processos de planejamento e avaliação de suas políticas de transporte e investimentos em infraestrutura. No entanto, a disponibilidade de dados sobre acessibilidade urbana nas cidades brasileiras ainda é muito limitada devido a desafios computacionais e ao acesso limitado a dados de sistemas de transportes e de distribuição de oportunidades. Este estudo apresenta a base de dados com estimativas de acessibilidade urbana criada no Projeto Acesso a Oportunidades, bem como descreve os métodos utilizados no seu desenvolvimento. A base consiste em uma grade de hexágonos de alta resolução espacial que agrega estimativas de acessibilidade a empregos (de baixa, média e alta qualificação) e serviços públicos, como escolas (nível infantil, fundamental e médio), estabelecimentos de saúde (serviços hospitalares e ambulatoriais de baixa, média e alta complexidade) e centros de referência para assistência social (Cras). Essas estimativas são calculadas usando vários indicadores de acessibilidade considerando diferentes modos de transporte (caminhada, bicicleta, transporte público e automóvel), horários do dia (pico e fora-pico) e grupos populacionais (segundo níveis de renda, raça, sexo e idade). Nesta versão, a base de dados traz essas informações para o período 2017-2019, apoiando-se em uma única metodologia consistente para as vinte maiores cidades do Brasil. Esta base é publicamente disponibilizada pelo Ipea por meio do site do Projeto Acesso a Oportunidades e do pacote de R aopdata. Espera-se que este trabalho permita que pesquisadores e gestores públicos utilizem estimativas de acessibilidade urbana na realização de pesquisas, planejamento e avaliação de políticas públicas.
A política federal de produção habitacional no Brasil historicamente segue um modelo no qual predomina a construção em larga escala de unidades habitacionais em áreas periféricas e afastadas dos centros urbanos (Cardoso, 2013; Krause et al., 2013). Apesar de inúmeras críticas, esse modelo de política nacional tem sido comumente adotado desde a criação do Banco Nacional de Habitação (BNH) em 1964 até períodos mais recentes com o programa Minha Casa Minha Vida – MCMV (Lima Neto et al., 2015). A construção de moradias para população de baixa renda em regiões periféricas tende a agravar diversos problemas sociais e urbanos (Rolnik et al., 2010; Linke et al., 2016). Esse modelo de política habitacional intensifica a periferização e a segregação nas cidades, reduz o acesso da população de baixa renda a oportunidades de emprego, saúde, educação e serviços públicos básicos e, consequentemente, agrava problemas de transporte urbano e exclusão social (Biderman et al., 2018). Há diferentes instrumentos urbanísticos e ações de política pública que podem contribuir para minimizar esse problema, o que pode incluir, por exemplo, políticas de urbanização de favelas ou retrofit de prédios centrais ociosos. Uma dessas alternativas é a construção de habitações de interesse social em áreas bem localizadas das cidades (Rolnik et al., 2010). A utilização de imóveis da União para o cumprimento dos objetivos de uma política nacional de habitação poderá ganhar impulso com a recente Lei no 14.118, de 12 de janeiro de 2021, que instituiu o Programa Casa Verde Amarela (PCVA). Em seu art. 7o, a lei dispõe que a União poderá destinar bens imóveis a entes privados, dispensada autorização legislativa específica. Desde 2018, o Ministério da Economia vem discutindo a concepção de um novo programa habitacional chamado “Aproxima” que utilizaria terrenos ociosos da União localizados nos grandes centros urbanos. O objetivo do programa Aproxima é fazer parcerias com governos locais e atrair a iniciativa privada para construir empreendimentos imobiliários em terrenos ociosos da União de maneira condicionada à utilização de parcela do empreendimento na provisão de habitações de interesse social (Brasil, 2019). O desenho do programa dificilmente conseguiria fazer frente ao tamanho do problema do deficit habitacional no Brasil (Lima Neto et al., 2015; Pereira et al., 2019a), devido à quantidade limitada de terrenos ociosos da União. No entanto, o programa tem importante papel ao buscar expandir o número de unidades habitacionais em áreas urbanas consolidadas já providas de infraestrutura e, com isso, contribuir para um desenvolvimento urbano mais sustentável, eficiente e que aproxime a população dos serviços e oportunidades nas cidades (Angel et al., 2011). Atualmente, a União possui pelo menos 330 terrenos localizados em mais de cem municípios que poderiam potencialmente ser considerados para o programa (Brasil, 2019); porém, um levantamento mais detalhado está sendo feito pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). No levantamento desses locais que poderiam ser utilizados no programa Aproxima, a localização do terreno e suas condições de acessibilidade urbana são cruciais. A boa localização é a condição essencial para que as unidades habitacionais construídas efetivamente aproximem a população de baixa renda de oportunidades e serviços, o que promoveria o uso mais eficiente da infraestrutura urbana. Esta nota técnica tem como objetivo analisar a inserção urbana de terrenos da União que poderiam ser utilizadas no novo programa habitacional Aproxima. A pesquisa busca estimar em que medida uma pessoa moradora daqueles terrenos conseguiria acessar oportunidades de empregos, serviços de saúde e educação, utilizando transporte público e caminhando a pé. Para isso, o Ministério da Economia, responsável pela concepção do programa Aproxima, fez uma seleção prévia de 68 terrenos prioritários em 28 municípios. Destes, esta Nota Técnica analisa um subconjunto de 48 terrenos localizados em 16 grandes municípios para os quais a equipe do Ipea dispunha de dados de acessibilidade urbana a partir do Projeto Acesso a Oportunidades (Pereira et al., 2019b). Os detalhes da metodologia e dos resultados da análise são apresentados nas próximas seções. Cabe apenas destacar que as análises apresentadas nesta Nota Técnica são focadas sobre as questões de localização dos terrenos e suas condições de acessibilidade urbana. Este trabalho não analisa a quantidade de habitações de interesse social que poderiam ser construídas dadas as características de cada terreno, nem questões de regulação urbanística ou do desenho do Aproxima enquanto uma política habitacional. Essas questões também são essenciais para se investigar a capacidade e efetividade do Aproxima alcançar seu objetivo enquanto política habitacional, mas não são abordadas neste trabalho.
Facilitar o acesso da população mais pobre a educação e essencial para reduzir desigualdades e promover inclusão social. Estudos recentes tem explorado a dimensão espacial da desigualdade no acesso a educação. No entanto, poucos desses estudos analisam se a população teria acesso suficiente a estabelecimentos de educação nas cidades brasileiras, e como essas condições de acessibilidade variam espacialmente e afetam especificamente a população de menor renda. Este estudo apresenta a primeira analise em larga escala de acessibilidade as oportunidades de educação no ensino publico das vinte maiores cidades do Brasil em alta resolução espacial. Este trabalho foca nas condições de acesso de crianças e jovens de baixa renda as escolas de nível infantil e médio, onde se encontram os maiores desafios de universalização da educação no pais. Considerando-se a acessibilidade a pé e por transporte publico, o estudo investiga a exclusão social relacionada a educação na escala intraurbana, bem como entre cidades e regiões, ao analisar diferentes linhas de insuficiência (LIs) de acessibilidade. Os resultados indicam que ainda são necessários significativos avanços em direção a universalização do acesso a educação no Brasil, principalmente quando são consideradas as vagas publicas de ensino infantil e médio. Parte substancial das crianças de famílias mais pobres possui acessibilidade insuficiente a escolas de educação infantil e ensino médio, principalmente em áreas de baixa densidade populacional nas periferias urbanas. A baixa densidade dessas áreas cria um desafio para a implantação de escolas em numero e cobertura espacial suficientes para melhorar o acesso escolar. Os resultados do estudo contribuem para o melhor entendimento da dimensão geográfica da insuficiência de acessibilidade a educação da população mais pobre, que pode ocasionar sua exclusão das mais diversas oportunidades essenciais ao longo da vida e aprofundar níveis de pobreza e desigualdades sociais.
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