Em 2012, acompanhei etnograficamente grupos terapêuticos para pessoas com Alzheimereparacuidadorasecuidadores familiares em um serviço oferecido pelo Hospital Universitário de Brasília. Fui a campo paracompreenderoque acontecia com sujeitos e ouvir suas narrativas sobre os dilemas da doença, mas acabei por me envolver com relações, substâncias e trocas que desestabilizaram algumas noções que carregava acerca de sujeitos, corpos, cérebro, organismos e mundos. Este artigo é uma tentativa de, a partir dos sintomas, reclames e modos de se comunicar criados, discutir algumas dessas noções e suas instabilidades. Inicio com uma perspectiva sobre o que seria a constituição de subjetividades encarnadas. Percebo, contudo, que algumas coisas deixam de ser ditas e que pensar em como corpo se organiza em subjetividade e se engaja no mundo abre outros caminhos. Tento debater com a ideia de um organismo que possui um funcionamento normal necessário para estar no mundo, olhando para as desorganizações desse funcionamento, o que me faz também pensar em substâncias, agenciamentos, vontades e engajamento do corpo para além do normal. Passo, então, a tensionar essas outras existências e mundos compartilhados a partir de corpos que convivem, criam e resistem a técnicas de estabilizações; faço isso dando espaço para as várias disputas envolvidas nesse processo. Em resposta ao cérebro e suas funções corretas, argumento em torno de substâncias em relação.
Resumo: Realizo uma comparação entre práticas cotidianas de cuidado das demências e políticas de cuidado voltadas ao envelhecimento com dependência no Brasil. A partir de uma etnografia realizada em casas, aprendo como cuidado agrega coletivos de pessoas, tecnologias e dinheiros. Por meio de uma análise documental das políticas de cuidado pós-democratização, narro projetos morais de cuidado e seus efeitos práticos - talvez o mais conhecido seja o que Guita Debert chamou de reprivatização do envelhecimento. Contudo, esse já não é mais o contexto atual; argumento que a perspectiva de cuidado da extrema-direita tem transformado esse cenário através de três movimentos articulados: restrição de serviços públicos; precarização do trabalho de cuidadoras e reforma das relações raciais; moralização do cuidado e reforma de gênero. Tal projeto é chamado, por fim, de hiperprivatização.
Este artigo tem por intento observar como a raça, enquanto categoria social, constituise como eixo articulador da organização social do trabalho doméstico e de cuidado no Brasil. Iniciamos o texto com a retomada de discussões sobre a Divisão Sexual do Trabalho, tendo em conta a produção dos estudos feministas e de gênero que se ocupam da temática. Dando prosseguimento, procuramos apreender a associação simbólica das mulheres negras ao servir e ao cuidar em uma narrativa largamente aceita sobre a identidade nacional. Adiante, fazemos uma apresentação de dados sobre a associação das mulheres negras ao trabalho doméstico. Finalmente, nos debruçamos sobre reflexões, conexões e caminhos interpretativos possíveis. AbstractThis article aims to observe race -understood as a social category -as an axes along of which domestic labor and the work of care are structured in Brazil. First, we resume the recent debate on Sexual Division of Labor, taking into account feminist and gender studies and propositions. Next, we seek to grasp the symbolic association of black women to servitude and care work in a widely accepted narrative about national identity. Following, we present data on the association of black women to domestic labor. Finally, we present some considerations, connections and possible interpretive paths.Palavras-chave: cuidado; trabalho doméstico; gênero; raça; mulheres negras.
O trabalho tem o objetivo de adensar etnograficamente o que se entende por sofrimento quando se fala em Alzheimer e como esse é tratado e cuidado. Para tanto, discute-se três temas principais: o tortuoso diagnóstico, o itinerário de cuidado cotidiano confinado às relações familiares e a difícil partilha das experiências de morte e mortificações. A reflexão se dá a partir do encontro entre sujeitos esquecidos, familiares e profissionais de saúde de um serviço especializado no Brasil. A metodologia é a pesquisa etnográfica, são comparados os dados de dois momentos de um trabalho de campo no Centro de Referência para portadores da doença de Alzheimer do Hospital Universitário de Brasília. O primeiro momento ocorreu em 2012 nos espaços de grupos terapêuticos para pessoas diagnosticadas e suas cuidadoras e teve duração de seis meses; o segundo ocorreu entre setembro de 2016 a junho de 2017 e centrou-se em consultas médicas de avaliação e acompanhamento e prontuários. Entre os resultados, busca-se dar carne a experiências de cuidadoras e pessoas com Alzheimer, apostando no potencial de contrastá-las a uma narrativa hegemônica e suas decorrentes propostas terapêuticas. A principal conclusão do trabalho é a de que tratar o Alzheimer é cuidar, ou ao menos depende do cuidado; e que legislações e prescrições de formas e modos de cuidar entram em conflito, por vezes, com possibilidades, demandas de auxílio, a complexidade e isolamento do cuidado cotidiano. Intenta-se, assim, uma reflexão sobre o paradigma terapêutico brasileiro a partir do conceito de partilha do sofrimento, cunhado por Donna Haraway.
C omprimidos para o alívio de dores. Ampolas com anestésico para possibilitar cirurgias longas e invasivas. Pomadas para tratar queimaduras. Cremes de uso tópico para crescer cabelos e pelos faciais. Antiácidos efervescentes providenciais para ajudar na digestão de alimentos. Quimioterápicos cuja promessa de cura pode vir acompanhada de dolorosos efeitos colaterais. Substâncias de uso crônico para regular, controlar ou compensar acometimentos fisiológicos e psíquicos. Moduladores de alterações desejadas de estados físico-mentais. Produtos que vendem "qualidade de vida". Objetos de ações coletivas de luta por acesso. Alvos de políticas de controle estatal para coibir usos "irracionais" ou que causam "dependência". Tecnologias cuja ausência ou escassez adjetiva doenças como "órfãs" ou "negligenciadas". Símbolos acabados de práticas técnico-científicas. Agregadores de monumentais investimentos privados multinacionais. Pomos de controvérsias estrategicamente forjadas para intensificar crises sanitárias, científicas e políticas.Os medicamentos são uma constante das relações sociais contemporâneas e têm configurado um incandescente campo de pesquisas etnográficas. De acordo com Desclaux (2006), a antropologia os privilegia como objeto desde os anos 1980, e, ao longo das décadas seguintes, eles receberam atenção nos mais diversos períodos de sua biografia (VAN DER GEEST; WHYTE, 1996) ou em diferentes genealogias (VARGAS, 2008). Desde então, comprimidos, cápsulas, vacinas, placebos, pomadas, emplastros, suplementos e vitaminas aparecem em etnografias. A partir dos anos 1990, é evidente a consolidação de pelo menos duas tendências marcantes: o aumento de pesquisas sobre etapas anteriores à prescrição e o incremento de abordagens teórico-metodológicas do campo dos estudos sociais da ciência nos mais diversos contextos (HARDON; SANABRIA, 2017). Ao considerarmos essas tendências, acompanhadas de contribuições consolidadas no campo relativas às práticas, significados e sentidos que esses objetos assumem em distintos enquadramentos de uso, distribuição, prescrição e marketing, bem como processos de judicialização e ações de coletivos de ativistas para acesso a medicamentos, encontramos neles um diversificado tema de pesquisa antropológica.Este trabalho está licenciado sob CC BY-NC-SA 4.0. Para visualizar uma cópia desta licença, visite https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
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