O artigo apresenta resultados da pesquisa HEXCA - Brasil, que investigou, por meio de entrevistas em profundidade, a interrupção da gravidez nas trajetórias biográficas de 31 mulheres e 28 homens de classes populares e médias e diferentes faixas etárias (18 a 27 e 40 a 49 anos). Abordam-se os processos de negociação e tomada de decisão acerca do aborto. Tais processos revelam-se portadores de temporalidades distintas, não lineares, e condicionados por circunstâncias sociais variadas. A análise dos processos de decisão seguiu o exame das relações de gênero narradas pelos informantes, bem como a condição da etapa de vida em que o evento da interrupção da gravidez teve lugar. O contraste geracional permitiu observar, nos estratos sociais pesquisados, mudanças significativas nas relações de gênero e familiares, nas representações acerca da maternidade, paternidade e reprodução, e nos métodos e no acesso ao abortamento nas últimas décadas. A perspectiva biográfica adotada mostrou-se fecunda ao vincular o evento analisado ao curso das experiências sexuais, contraceptivas e reprodutivas dos entrevistados.
Entre os órgãos do corpo humano, o cérebro é tido hoje como aquele que define a nossa identidade pessoal. Uma "linguagem da serotonina" é utilizada para explicar sintomas dos mais diversos, entre eles, estados de humor como a "depressão" e a "ansiedade", linguagem esta que entrou para o discurso cotidiano do público leigo. A literatura aponta para o surgimento de um "sujeito cerebral" na contemporaneidade, marcado por um borrar das fronteiras entre mente e cérebro. Todos os anos, laboratórios farmacêuticos investem milhões de dólares para divulgar medicamentos voltados para o tratamento das chamadas desordens mentais-cerebrais. Parte desse investimento é voltada não para a divulgação dos produtos, mas sim para a das doenças elas mesmas. Trata-se aqui de refletir sobre a noção de "pessoa" que esse material veicula, na qual o paradigma "sujeito cerebral" caminha lado a lado de uma imagética físico-moral.
Trata-se de discutir em que sentido o discurso neurocientífico sobre o cérebro produz uma determinada noção de pessoa. Em especial, invisto em autores e textos que fazem divulgação científica. A ideia do 'cérebro como pessoa' é repetida em formatos variados em livros de divulgação de importantes neurocientistas, que visam atingir os seus pares especialistas, assim como constituir e ampliar o número de novos curiosos a respeito do funcionamento do cérebro. Postulo, como contribuição ao debate, a ideia de que um 'cerebralismo' - uma concepção fisicalista de pessoa que relaciona cérebro e indivíduo - constitui um traço central na concepção de pessoa moderna.
Trata-se de investigação socioantropológica que situa o aborto como evento inscrito no quadro mais amplo do exercício da sexualidade heterossexual, das relações entre gêneros, do manejo contraceptivo e da reprodução. O objetivo da pesquisa foi evidenciar a teia de relações sociais que engendram processos de negociação e de decisão em torno da interrupção de gestações imprevistas e formas de realização do aborto, com base em narrativas sobre trajetórias afetivo-sexual, contraceptiva e reprodutiva de mulheres e homens, de diferentes classes sociais e gerações. Neste artigo, o foco recai na posição dos homens jovens diante da gravidez e do aborto voluntário, adotando-se uma perspectiva relacional de gênero para se analisar o fenômeno. O material empírico reúne 13 entrevistas em profundidade com homens de 18 a 27 anos, de camadas populares e médias, residentes no Rio de Janeiro, Brasil. A complexidade das relações de poder estabelecidas entre o casal, seus familiares e amigos engendra distintos desfechos possíveis em relação à participação masculina no evento: ciência do aborto a posteriori, na medida em que não foi consultado; participação consensual na tomada de decisões frente à gestação e aborto; desacordo entre o casal, prevalecendo a decisão feminina, a despeito do parceiro; constrangimento por parte do parceiro na decisão tomada pela jovem. A participação masculina no âmbito da reprodução e do aborto tem sido uma lacuna da literatura científica a ser enfrentada. Assumir a tensão instaurada entre gêneros na questão do aborto, entre autonomia reprodutiva feminina e responsabilidade masculina, é uma tarefa central para os que pesquisam o tema nas ciências sociais e saúde.
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