O estudo das relações humano-animal tem ganhado boa expressão na antropologia contemporânea. Ele forma um campo que se desenvolve a partir de duas frentes de discussão que se complementam -uma política e outra epistemológica. A primeira envolve ativismos e novos movimentos sociais em torno de direitos e de moralidades dos animais, enquanto a outra passa a questionar e a reposicionar qualidades e distinções entre eles e os humanos.1 Particularmente, minha inserção nesse campo se deu por meio de pet shops e de clínicas veterinárias do sul do Brasil, que formaram o cenário etnográfico pesquisado entre 2007 e 2012. A partir dele, eu procurei mostrar que a medicalização de estados físicos e morais e as práticas de produção de longevidade para animais têm sido facilitadas pelo alto investimento em tecnologias, como equipamentos, diagnósticos, intervenções cirúrgicas, procedimentos clínicos e um vasto mercado que congrega medicamentos e outros dispositivos que definem saúde, doença e estética a partir de modelos biomédicos da medicina humana e sua infraestrutura global (Segata 2012).O meu interesse pelo tema está associado ao redimensionamento que o debate sobre natureza e cultura ganhou nos últimos anos. Se essa antinomia ainda resiste como um programa de controle desde o pensamento antropológico moderno, para mim, ela encontra na relação humano-animal uma figura de mediação. Em linhas gerais, esta ideia forma o pano de fundo do que tratarei aqui, concentrando-me nas controvérsias em torno do envelhecimento de um animal de estimação e da manutenção de seu vínculo com os seus companheiros humanos. A situação etnográfica que me guia é a de que, mais velhos, alguns desses animais têm desenvolvido problemas que até há pouco tempo não faziam parte do repertório veterinário e nem dos seus companheiros humanos, como é o caso dos cânceres e tumores, das cegueiras, dos problemas renais e hepáticos, da hipertensão, da depressão, entre outros. Como esses diagnósticos e tratamentos são contínuos àqueles dos humanos, uma forma particular de identificação e de relação com o animal em meios urbanos, especialmente em clínicas veterinárias, parece