RESUMO: O texto é uma reflexão crítica sobre o artigo "Chimpanzés também amam: a linguagem das emoções na ordem dos primatas" de Eunice R. Durham. Trata-se de uma rara oportunidade para discutir as contribuições recentes da ecologia evolutiva humana, etologia, neurobiologia, primatologia, psicologia evolutiva e sociobiologia, da ótica da produção de significados diante das questões postas sobre as emoções em grandes símios. O recorte proposto contempla uma ampla gama de questões: da problematização das representações produzidas por pesquisadores dedicados ao estudo do comportamento animal à produção de um balanço sobre as possibilidades e os limites das capacidades simbólicas dos chimpanzés. Tal exercício caracteriza-se, portanto, por ser uma avaliação do estado da arte no que se refere às interações entre consciência, cognição, produção simbólica e sentimentos. PALAVRAS-CHAVE: chimpanzé, emoções, evolução, sentimentos, símbolo. IntroduçãoA iniciativa de Durham (2003) na publicação de "Chimpanzés também amam: a linguagem das emoções na ordem dos primatas" foi recebida com otimismo pelos pesquisadores brasileiros envolvidos com temas correlatos, dado que, apesar dos questionamentos radicais que os estu-
RESUMO: O texto propõe uma reflexão sobre a crescente utilização da idéia de cultura, nos últimos anos, para definir alguns aspectos do comportamento de chimpanzés, considerando as características e os contextos, bem como as questões que esse tipo de procedimento coloca para as ciências sociais, a partir de uma antropologia das idéias e do conhecimento. PALAVRAS-CHAVE: culturas de chimpanzés, darwinismo, etologia, evolução/adaptação, relações natureza/cultura. Antropologia e biologia: relações delicadasOs temas que aproximam antropologia e biologia são difíceis e delicados, particularmente para a antropologia cultural e social, devido à longa e trágica história dos desdobramentos de idéias que, ao tentar produzir definições para o humano (Chazan, 1995;Ingold, 1995), associaram determinantes físico-biológicos à vida social, problema discutido por autores como Comas (1970), Kuper (1994), Lévi-Strauss (1970), Poliakov (1970), Said (1990Said ( , 1995 e outros. Uma das conseqüências dessas idéias foi a produção de classificações determinísticas e etnocêntricas que -228 -ELIANE SEBEIKA RAPCHAN. CHIMPANZÉS POSSUEM CULTURA? dispuseram caçadores-coletores, hominídeos (Spencer, 1995), grandes símios (Blanckaert, 1995), populações caiçaras, rurais e tribais, especialmente as africanas (Pieterse, 1995), em escalas inferiores aos europeus e norte-americanos urbanos, sustentando políticas imperialistas, eugenia, etnocídio, genocídio, segregação.No entanto, isso não é justificativa para que antropólogos escapem das discussões que afloram em diversas áreas das ciências naturais, inclusive, porque dados e questões postos atualmente por elas dizem respeito, e muito, à antropologia cultural e social. Leve-se em conta, por exemplo, o fato de que pesquisadores que operam no campo das biociências, no estudo do comportamento, têm trabalhado com idéias tais como: cultura, consciência, relações sociais, poder ou tradição.A adesão a influências evolucionistas pela antropologia e sociologia, entre a segunda metade do século XIX (Blanckaert, 1995) e início do século XX (Blanc, 1975), apesar de ter persistido de muitos modos por várias décadas (Kuper, 1996), constitui talvez o único paradigma integralmente descartado pela antropologia contemporânea (Oliveira, 1988(Oliveira, , 1996(Oliveira, , 1997. Por outro lado, como se sabe, Boas (cf. Lewis, 2001) e Malinowski (1978), através, e a partir, da adoção do método etnográfico, combateram eficientemente as atribuições de atraso e as explicações precipitadas sobre as diferenças humanas. Boas atacou o determinismo geográfico, as concepções de história universal e as comparações entre artefatos culturais descontextualizados. Na medida em que a etnografia firmou-se como prática antropológica, mais subsídios foram fornecidos para o descarte das influências spencerianas (Stocking, 1997) .Contudo, a partir de meados de 1970de , a sociobiologia (Wilson, 1975 Ruse, 1983) e a noção de meme (Dawkins, 2001; Kuper, 2000), os estudos em comportamento animal, particularmente primatas (Fragaszy, 2003...
Este artigo é um exercício etnográfico sobre a produção dos pesquisadores dedicados ao comportamento de chimpanzés enfocando questões relativas aos temas simbolização, sociabilidade, comunicação, cognição e consciência tomando o problema da existência de "culturas de chimpanzés", tal como muitos primatólogos têm afirmado na última década, como central. A estratégia consiste em estabelecer um diálogo constante entre a produção de conhecimento dirigida ao comportamento dos chimpanzés, a partir de 1960, e os próprios parâmetros e questões que a antropologia sociocultural enfatiza em sua reflexão sobre humanos, suas culturas, suas sociedades, via o debate entre local e universal, entre natureza e cultura. Os parâmetros teórico-metodológicos utilizados são provenientes da antropologia da ciência, das ideias e do conhecimento, como é conhecida a área da antropologia dedicada a pensar aspectos da produção do conhecimento, dentro e fora da disciplina.
This article is an ethnographic study about the researches dedicated to chimpanzee behavior focusing questions related to symbolization, sociability, communication, cognition and consciousness taking as central the problem of "chimpanzee cultures", as many primatologists have affirming to exist in last decade. The strategy consists in to establish a constant dialogue between the production of knowledge about the chimpanzee behavior, since 1960, and the parameters and questions that sociocultural anthropology emphasizes in its reflection about humans, theirs cultures, theirs societies, through the debate between local and universal, culture and nature. The theoretical and methodological parameters utilized coming from the Anthropology of Science, Ideas and Knowledge, as is named the anthropological area that think about aspects of production of knowledge, inside and outside the discipline
The scope of this work is the recent history of studies on the behavior of chimpanzees, emphasizing research results, propositions about the existence of 'chimpanzee cultures' and their validity. The work discusses the idea based on transmission mechanisms and social learning as well as anthropological and paleoanthropological concepts of culture that associate such phenomena, among modern humans, to their symbolic and cognitive abilities.
De modo semelhante aos rompantes etnocêntricos de uma cultura humana frente a outras, as relações entre humanos e primatas não humanos incluem um estranhamento pontuado por atração e repulsa, identificação e diferença. Ciência, arte e mitologia são a expressão viva e atualizada disso. Desde 1960, a primatologia destaca-se nesse cenário por contribuir significativamente na revisão das definições sobre o comportamento dos primatas e, consequentemente, na redefinição do humano ao apresentar a polêmica proposição de existência de "culturas" entre animais não humanos. Assim, a aproximação entre humanos e primatas não humanos parece inexorável e irreversível. Isso implica, por exemplo, em cogitar se esse processo engendra, ou não, a constituição de novas alteridades a partir de um novo outro (não humano), carregado de significados. Isso incluiria, por exemplo, a reformulação de representações e de categorias de classificação, bem como o aprofundamento do debate sobre os direitos dos animais não humanos. Ao dirigir tal tipo de desafio a situações de pesquisa antropológica deve-se ter aguda consciência de que o registro etnográfico das relações entre humanos e os outros primatas será uma construção empírica, perceptual e teórica. Dado o tipo particular de relação estabelecida entre humanos e outros primatas, pautada em um universo fronteiriço de incômodas semelhanças e diferenças, constituem-se aí coletivos híbridos em que o alcance e a profundidade das interações possíveis ainda são desconhecidos. Palavras-chave • Alteridade. Animalidade. Coletivos híbridos. Culturas de chimpanzés. Etnografia. Híbridos. Humanidade. Relações entre humanos e não humanos.
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