Em uma das várias entrevistas nas quais discute sua insatisfação com o horizonte filosófico de seus dias de estudante, dominado pelo marxismo, pela fenomenologia e pelo existencialismo, Foucault faz a seguinte afirmação: "para mim, a ruptura se deu primeiramente Waiting for Godot, de Beckett, uma performance de tirar o fôlego." Meu objetivo neste texto é estabelecer as bases para compreender como é possível que um trabalho de literatura tenha tal efeito - qual seja, forçar-nos a pensar de outra maneira. É realmente possível que trabalhos de literatura mudem as pessoas que os leem? Ou, para dar a essa questão um foco ligeiramente diferente, as pessoas são capazes de mudarem a si mesmas através de suas leituras literárias?
Em Historiadores do Brasil, Francisco Iglésias avalia alguns dos grandes nomes da historiografia brasileira, dividindo-os em três momentos distintos: o primeiro, até 1838; o segundo, de 1838 a 1931; e o terceiro, de 1931 adiante. Este artigo focará no terceiro desses momentos, o qual tem sido tratado como o momento da "historiografia brasileira moderna". Mais especificamente, gostaria de focar no uso que Iglésias faz de uma linguagem de vícios e virtudes para avaliar aqueles historiadores e seus trabalhos. Vícios e virtudes têm sido usados há muito não apenas para avaliações morais, mas também para avaliações epistêmicas. Ser reconhecido como historiador inclui cultivar repertórios de virtudes consideradas necessárias para ser, de fato, historiador. Enquanto Iglésias avalia seus predecessores, veremos como uma maneira particular de ser historiador - aquela do professor universitário dos anos de 1980 - confronta modelos anteriores de subjetividade acadêmica.
O funcionamento da verdade no texto de história não depende apenas de suas condições epistemológicas, mas também de uma relação ética entre historiador e leitor. Paul Ricoeur indicou que nessa relação se estabelece um pacto tácito de leitura, um contrato em que o historiador garante ao leitor que a narrativa apresentada é “verdadeira”. Michel de Certeau, de outro lado, trabalhou tanto sobre o funcionamento interno dessa maquinaria de produção de verdades (a operação historiográfica) quanto sobre o caráter ativo da leitura. Cruzando tais insights, proponho que devemos pensar a respeito dessa relação ética entre autor e leitor, considerada aqui nas categorias de confiança e expectativa.
scite is a Brooklyn-based organization that helps researchers better discover and understand research articles through Smart Citations–citations that display the context of the citation and describe whether the article provides supporting or contrasting evidence. scite is used by students and researchers from around the world and is funded in part by the National Science Foundation and the National Institute on Drug Abuse of the National Institutes of Health.