Recentemente noticiou-se a difusão do uso da substância fosfoetanolamina sintética, conhecida como a pílula do câncer, entre portadores de neoplasia maligna. Ocorre que a substância, além de não contar com registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, sequer havia concluído os estudos clínicos necessários à garantia de sua eficácia e segurança. Não obstante, o governo federal editou a Lei n. 13.269/2016, que autorizava o fornecimento pelo Sistema Único de Saúde sob determinadas condições, e diversas liminares foram concedidas obrigando o Estado a fornecê-la. A questão foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal em dois rumorosos julgamentos, em que a Corte suspendeu todas as liminares concedidas e suspendeu a eficácia da referida lei por indícios de inconstitucionalidade. Neste artigo analisamos os fundamentos das citadas decisões no contexto de posicionamentos anteriores da Corte e das orientações estabelecidas no julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada 175.
A partir da expansão do fenômeno da judicialização da saúde, os juízes vêm assumindo um importante papel na concretização do direito à saúde em nosso país. Nesse contexto, os magistrados de todas as instâncias do Poder Judiciário brasileiro passam a se defrontar com questões inusitadas inerentes à garantia efetiva do acesso aos serviços de saúde, o que suscitou, em alguns casos, diferentes posicionamentos e intensas discussões nos tribunais estaduais e federais brasileiros. Algumas questões de saúde pública levadas com frequência à apreciação dos juízes geram, de fato, intensas controvérsias, que não decorrem de uma simples oposição de interesses entre o poder público e o particular requerente, mas sim do fato de o magistrado, no momento de decidir, sofrer forte influência de seus próprios princípios morais, e nem sempre se sentir “confortável” em adotar a solução eventualmente apontada pela mera aplicação da lei. Trata-se de situações em que os juízes acabam decidindo mais em função de suas convicções pessoais, de sua sensibilidade, enquanto ser humano, à dor e ao sofrimento alheios, do que em função de seus conhecimentos técnico-jurídicos. O objetivo deste estudoé verificar como questões dessa natureza vêm sendo enfrentadas e decididas no âmbito de quatro tribunais estaduais de justiça do país.
No campo da filosofia do direito, é muito comum o debate sobre as possíveis conexões entre o direito e a moral. Os juízes com jurisdição em saúde debruçam-se frequentemente sobre importantes questões morais que devem ser enfrentadas para que seja dada uma solução ao feito. Nessas ocasiões, os juízes podem experimentar situações de conflito e decidem premidos pelas próprias convicções morais, que nem sempre estarão de acordo com a solução apontada pela simples aplicação da lei. Neste artigo, nos propomos a averiguar como os tribunais federais brasileiros vêm apreciando as questões de natureza moral nas demandas de saúde, preocupando-nos, mais especificamente, com os conflitos morais experimentados pelos magistrados. Para atingir nossa meta, selecionamos três importantes questões com reconhecido potencial de desafiar as convicções morais dos magistrados e corriqueiramente enfrentadas em demandas judiciais de saúde no âmbito dos tribunais do país, e verificamos como estas questões vêm sendo decididas nos tribunais regionais federais. Atentamos principalmente à argumentação utilizada pelos juízes em suas decisões, para então concluirmos pela existência ou não dos referidos conflitos.
Como resultado de políticas públicas ineficientes ou até mesmo inexistentes no âmbito da saúde, e uma crescente demanda dirigida ao Poder Judiciário por prestações de desta natureza, é fato que a situação atual do acesso à saúde no Brasil é fortemente condicionada ao acesso à justiça. Isto coloca um desafio para o Poder Judiciário no enfrentamento das dificuldades que envolvem a tutela do direito fundamental à saúde. Se a implantação dos juizados especiais se apresenta como solução encontrada para facilitar e viabilizar o acesso à justiça, torna-se necessário investigar se a simplificação e racionalização de procedimentos adotados nesta esfera do Judiciário concorre, efetivamente, para ampliar e facilitar o acesso à saúde.
A partir da transferência, cada vez mais intensa, da atribuição de decidir questões importantes na área da saúde, para o Judiciário, justifica-se o interesse em investigar, identificar e compreender os principais conflitos morais experimentados por magistrados no cotidiano de sua jurisdição de saúde, buscando compreender as razões desses conflitos e o modo pelo qual têm sido deliberadas questões de saúde em face dos entes públicos. Uma vez que nestas situações, os juízes, de uma forma geral, dispõem de certa margem de liberdade na escolha dos padrões - políticas, princípios (jurídicos ou morais) ou regras – que devem utilizar, em alguns casos, para chegar a uma decisão que considerem adequada, avulta-se a questão do chamado poder discricionário do juiz. Mas até onde vai a discricionariedade dos juízes? Será que podem decidir livremente, de acordo com as regras jurídicas, princípios jurídicos, política, ou mesmo de acordo com suas convicções morais, a seu único e exclusivo talante? Este estudo busca trazer respostas para estas questões a partir da teoria de Ronald Dworkin, no contexto de suas divergências com Herbert L. A. Hart e Richard Posner, mais especificamente no que diz respeito às conexões entre a moral e o direito. Ao final, desenvolvemos uma técnica a fim de identificar conflitos morais experimentados pelos magistrados que aplicamos em casos concretos de demandas de saúde.
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