Os Sistemas Universais de Saúde estão em cheque na atual conjuntura global. A crise econômica que abalou as grandes potências, os desafios da estabilidade fiscal, o crescimento exponencial de novas tecnologias e as ameaças às políticas sociais fazem da ideia de manter sistemas públicos e universais um tema polêmico e questionado por muitos governos. Para além dos argumentos inevitáveis da importância de um sistema público e gratuito para a saúde dos povos, existem evidências de que um sistema de saúde organizado seja um grande investimento para qualquer país, considerando, por exemplo, os complexos industriais nacionais, a redução de internações de alta complexidade e a diminuição do gasto público com medicamentos e equipamentos de alta tecnologia. Na saúde global, observam-se tentativas de reconstrução de sistemas de saúde que se adequem ao avanço dessas tecnologias médicas e inovações de serviços que aumentem o desempenho do sistema, ao mesmo tempo em que mantenham as populações mais vulneráveis no campo de prioridades de ação dos governos. Cada vez mais, há uma preocupação constante para que esses sistemas diminuam desperdício, aumentem a efetividade e respondam às necessidades dos usuários e dos governos com qualidade e prontidão. Pesquisadores e governos têm criado, há processos e ferramentas que contribuem para a melhoria de sua resposta às necessidades de saúde, como as estratégias de governança clínica, controle de qualidade e a avaliação de desempenho propriamente dita. A ideia de um sistema de saúde universal e abrangente nasce no pós-guerra com a ascensão dos Estados de Bem-Estar Social. Quando se trabalha com modelos de estados protetores tem-se muitas tipologias disponíveis(1,2), mas as duas mais emblemáticas são o modelo Beveridge e Bismarck(3). A diferença fundamental entre esses dois modelos está relacionada ao papel que a burocracia estatal desempenha na coordenação e na elaboração de políticas. No chamado desenho Beveridgiano, o Estado é um ator chave no financiamento, na elaboração de políticas, regulação, organização e governança. No modelo Bismarkiano, o Estado atua fundamentalmente como uma referência e os atores chaves seriam os sindicatos e as corporações. Entre os anos 50 até os anos 80, dos pontos de vista econômicos e de saúde pública, os modelos de seguridade social mais protetores foram considerados de grande sucesso. A qualidade aumentou e o acesso aos seguros de saúde e aos cuidados aumentaram, como no caso Francês, onde as pessoas estavam orgulhosas do seu seguro social de saúde, saindo de 5% nos anos 60 para mais de 10% nos anos 80; e os sistemas Inglês e Canadense, que se transformaram em representação da identidade social de seus países(3). De um ponto de vista macroeconômico, essa era foi chamada de “Anos Gloriosos”, se referindo a um crescimento econômico e social reconhecido por quase todo o mundo ocidental. No entanto, do ponto de vista da regulação, o cenário era menos glorioso, pois persistiam grandes iniquidades entre países e dentro dos países, entre populações com baixa e alta renda(3). Até os anos 70(4), o principal objetivo do planejamento das políticas de saúde era sustentar o crescimento econômico. Ademais, em uma perspectiva macroeconômica, o crescimento era uma boa forma de se evitar de ter que fazer escolhas ou estabelecer prioridades, prevenindo os conflitos dentro do próprio sistema; dessa forma, era permitido o desperdício de recursos. No Sistema Fordista, cada política de saúde era considerada como investimento no capital humano. Políticas desse tipo eram caras porque inflacionavam a demanda e geravam um grande déficit público, mas à época, ninguém dava real atenção. Nos anos 80(5), com os governos Thatcher e Reagan e a ascensão do neoliberalismo e da globalização, as políticas Keynesianas falharam e os países iniciaram uma série de reformas e adaptações, muito relacionadas às críticas quanto à efetividade, à eficiência e ao desempenho inadequado dos serviços de saúde. A avaliação de desempenho tem sido amplamente discutida nos países com sistemas de saúde mais maduros e existe uma clara tensão entre garantir a integralidade do sistema e, ao mesmo tempo, garantir que as ações sejam implementadas, considerando a equidade. Para os especialistas, as ferramentas de avaliação de desempenho não respondem por si só às transformações requeridas, há que se articular todo um aparato de universidades, governos e sociedades para que as ferramentas estejam a serviço das necessidades da população e não à margem delas. Considera-se, ainda, importante o debate sobre os países que ainda não atingiram a universalidade, uma vez que a governança da boa performance com equidade torna-se mais desafiador, principalmente em momentos de crise e de políticas austeras, considerando que esses países ainda se deparem com a tarefa de ampliação de cobertura. A crise econômica que se abateu sobre o mundo em 2008 fez com que a visão de um sistema abrangente fosse questionada, mas já existem exemplos de países europeus como Portugal que optaram por manter o seu sistema funcionando e tem dado bons resultados. Por outro lado, observam-se contingenciamentos nos sistemas Canadenses e Inglês, como demonstram os artigos desse número especial(6, 7). A América Latina(8), em sua maioria, nem chegou a desenvolver um sistema universalista, com exceção do Brasil, que a partir de 1988, aprovou um modelo constitucional universal, compreensivo e participativo. O Brasil, como os países da América Latina, tem procurado achar respostas para os problemas do seu sistema de saúde, mas a troca de experiências e o bom debate são estratégias importantes para que a sociedade possa se posicionar sobre qual tipo de sistema ela quer construir, quais respostas precisam ser dadas pelos serviços e qual a melhor forma de acesso e de comunicação da sociedade com os governos, para que se garanta um serviço de saúde cada vez mais centrado no cidadão. Considerando a relevância do tema, a Comissão de Seguridade Social e Família, do Governo Federal, apoiou o “Fórum Internacional de Sistemas Universais de Saúde: Lançando olhar sobre o desempenho de serviços de saúde locais e nacionais”. A partir das discussões levantadas nesse fórum, a comissão científica do mesmo organizou esse número especial para ser publicado na Revista Brasileira em Promoção da Saúde, com convidados de universidades e pesquisadores internacionais, em parceria com a Universidade de Fortaleza, com o objetivo de disseminar o debate entre estudiosos e sociedade civil. Temas como o processo de descentralização, problemas com desigualdades sociais, subfinanciamento e organização de serviços fizeram com que o desenho e a governança do sistema fossem questionados, abrindo espaço para novos agenciamentos como as Organizações Sociais e Contratos Organizativos de Ação Pública(9). Outro problema apontado como fundamental para a sobrevivência de sistemas integrais de saúde são as políticas de recursos humanos, as dificuldades com a corporação médica e a formação de profissionais(10,11). O financiamento e os determinantes sociais da saúde são ainda discutidos(6,9,12) analisando-se o financiamento sob uma perspectiva internacional, comparando-se sistemas maduros, e então, com uma análise das implicações para o financiamento público da tentativa de regionalização dos serviços no Estado de São Paulo, por exemplo. Com isso, pretende-se fazer um bom debate sobre estratégias e ferramentas de avaliação, esperando contribuir com o aumentar da qualidade do sistema de saúde brasileiro, ampliando sua cobertura para quem mais precisa e organizando experiências no campo nacional, além de colaborar, posteriormente, com a sistematização e a difusão no território brasileiro de ações exitosas.
The education and provision of health professionals are the main strategies to increase capacity and respond to health systems' needs among countries worldwide. Recently, the Brazilian government passed a law to create a national program, called the More Doctors Program, to improve the capacity to respond to the demand for doctors in underserved areas. The law was designed with three main axes: provision, education and infrastructure. The first, provision, would increase the provision of medical doctors through monetary and non-monetary incentives to attract national and foreign doctors to work in remote areas. The education axis was related to opening new Courses and Institutions to graduate new doctors in remote areas. The third axis was to improve primary care facilities. However, the most controversial aspect of this Program was the partnership between Cuba and Brazil, through an international cooperation mediated by the Pan-American Health Organization. It involved 18,240 new primary care physicians. Focusing on provision, mainly in the Brazil-Cuba international cooperation, a qualitative study was designed and conducted, analyzing the More Doctors policy cycle, using Howlet & Ramesh, 2003 as well as Ball, 1992 as a reference. This study examined the five stages of the policy cycle: agenda preparation, policy formulation, decision making, implementation and evaluation and Practitioners. In addition, there could be an influence of the Cuban socialist model. The Cuban doctors bring a new perspective to Brazilian health professionals on how to build linkages with the users and how to deal with poverty and inequity. On the micro level, both groups benefited from ongoing learning strategies, supervisions in locus, distance learning courses, round tables on the main health problems, group practice sharing, and the interchange on health local planning. The main problems involve the temporary nature of the provision strategy, which is not well resolved with the Brazilian medical corporations and professional bodies. Furthermore, the supervisions are not always well organized by the Universities. The study also shows the fragilities of federative integration regarding policy implementation and management.
Objetivo: Analisar a Cooperação Brasil Cuba no Programa Mais Médicos (PMM) e seus efeitos para o trabalho médico. Métodos: Como parte do suplemento que discute os Sistemas Universais de Saúde, apresentar a experiência brasileira de provimento de médicos, o desenho da cooperação internacional e as implicações para um sistema de saúde em construção. Para analisar o programa, adota-se a abordagem do Ciclo de Políticas (Howlett e Ramesh(1) e Bowe e Ball(2)) - entrevistas com atores chaves, análise documental e estudo de caso do PMM de duas cidades do Estado do Ceará. Resultados: Na dimensão macropolítica, as entrevistas mostram a prática e a educação médica voltadas para a atenção especializada, orientadas pelo mercado, com um uso exagerado de tecnologias de alta densidade, comparadas aos médicos cubanos. Os médicos cubanos trazem nova perspectiva para os profissionais de saúde na forma de construir vínculos com usuários e na maneira de lidar com a pobreza e a iniquidade. Conclusão: Na dimensão micropolítica, ambos, brasileiros e cubanos, beneficiam-se de estratégias de educação permanente e compartilhamento de estratégias no planejamento local.
scite is a Brooklyn-based organization that helps researchers better discover and understand research articles through Smart Citations–citations that display the context of the citation and describe whether the article provides supporting or contrasting evidence. scite is used by students and researchers from around the world and is funded in part by the National Science Foundation and the National Institute on Drug Abuse of the National Institutes of Health.
customersupport@researchsolutions.com
10624 S. Eastern Ave., Ste. A-614
Henderson, NV 89052, USA
This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.
Copyright © 2024 scite LLC. All rights reserved.
Made with 💙 for researchers
Part of the Research Solutions Family.