Este trabalho compara ameaças de despejo em duas cidades brasileiras, Macapá (AP) e Salvador (BA), realizadas em um dos momentos mais dramáticos da pandemia, os primeiros meses de 2021. Destacam-se as ocupações da Rua Beira Rio, no Bairro da Paz (BA), e a reocupação da Baixada Mucajá, ao lado do Conjunto Habitacional Mucajá (AP). O trabalho busca compreender como segmentos sociais que reivindicam o direito à cidade, e que já viviam em situação de segregação socioespacial e ameaça de despejo, lidam com novas ameaças na pandemia, comparando empiricamente a ampliação de riscos às famílias, funcionamento de redes de solidariedade e da ação da gestão pública nesses locais. Verifica-se que, nos dois casos, os moradores vivem pressionados pela ameaça de despejo em contexto pandêmico, e não podem contar com apoio do Estado, que, por seu lado, põe em prática preceitos de controle urbanísticos em áreas mais valorizadas economicamente. Por outro lado, observa-se o importante papel das redes de solidariedade que subsidiam a permanência desses grupos sociais no local.
Este trabalho tem como objetivo analisar as contradições sociais e urbanas na cidade de Macapá, advindas da criação do Território Federal do Amapá (TFA), no período de 1940 a 1970. A política governamental procurou implementar uma gestão pública/urbana avessa aos hábitos dos moradores locais, formado sobretudo por negros e caboclos. Famílias negras que residiam na “Macapá Antiga” viram-se excluídas da cidade que se modernizava. As “casas de madeira”, elaboradas por caboclos, foram tomadas como símbolos de uma natureza primitiva e arcaica, que denotavam desordem e impureza; elas foram vistas como expressão espacial dos hábitos rudimentares que conflitavam aos moldes desejáveis que as elites urbanas macapaenses procuravam espelhar, caracterizadas como modernas, civilizadas. “Casas em alvenaria”, tijolos e cimentos, representavam a concretude dos ideais das elites governamentais a respeito de um tempo moderno, em oposição ao tempo pretérito. O governo local tratou, entre outros, de elaborar leis, executar políticas urbanas de remanejamento habitacionais e campanhas locais com vistas a regular a vida, os hábitos e a moradia de famílias negras e de caboclos.
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