O artigo traz reflexões sobre a noção de alimentação saudável, produzida no imaginário social na sociedade ocidental contemporânea, orientada por uma concepção de saúde reduzida à busca de cura ou prevenção da doença. Subsídios teóricos das Ciências Sociais e Humanas propiciaram melhores condições para compreender a alimentação como temática intersticial de articulação entre o biológico e o psicossocial. Destacamos a alimentação saudável derivada da racionalidade científica moderna e de normatividade geral e problematizamos a discursividade da promoção da alimentação saudável a partir do conceito de biopoder de Foucault. Não negamos o valor das evidências epidemiológicas sobre a relação direta entre alimentação e adoecimento e reconhecemos que conhecer é melhor do que ignorar quando é preciso agir. No entanto, por entendermos que para o (re)estabelecimento da saúde, em nutrição, é necessário mais do que prescrever nutrientes e alimentos, acreditamos que não devemos normatizar a alimentação e olhar para a informação científica como algo absoluto. Instrumentos conceituais e fundamentos teóricos que não estão no "verdadeiro" do discurso biológico fazem-se necessários nas proposições sobre a alimentação saudável, uma vez que interesses políticos e econômicos dos setores hegemônicos ligados à dimensão biomédica não deixam muito espaço para a discussão das questões psíquicas e sociais
O artigo problematiza conceitos, domínios e alguns interesses presentes na constituição da Alimentação e Nutrição como campo científico no Brasil. Partindo da teoria dos campos sociais, transversal ao pensamento de Bourdieu e conjugada a reflexões de Stengers acerca de campos científicos, busca-se estabelecer distinções entre os domínios que tratam dos alimentos, e aqueles voltados aos nutrientes e à comida. Reconhecendo dis-tinções entre tais domínios, postula-se que comer, nutrir e alimentar são fenômenos humanos inter-relacionados; assim, a pluralidade epistemológica é exigência primeira para sua compreensão, haja vista as interfaces entre as dimensões biológica e social. Portanto, reconhecer a necessidade da aproximação entre campos científicos é fundamental, ainda que tal aproximação só se estabeleça em processos que envolvem interesses em disputa. Nesse sentido, a despeito dos desafios, defende-se que a articulação entre Alimentação e Nutrição corresponde a projeto político promissor e necessário do ponto de vista da interdisciplinaridade que a natureza desse binômio exige, para sua compreensão como campo de produção de conhecimentos e saberes relativos aos processos socioculturais e biológicos que percorrem várias esferas da vida humana.
A trajetória coletiva traçada pela Nutrição manifesta-se no fato de que ela se naturaliza como uma profissão feminina e nos remete às discussões sobre a distinção entre gêneros tal como a concebemos contemporaneamente. A partir de uma concepção de gênero como uma construção histórica e cultural, e não da natureza, propomos uma reflexão acerca da formação profissional centrada na questão do gênero como categoria analítica. Acenamos para a articulação entre o trabalho profissional e o trabalho doméstico, confundindo a esfera privada com a pública, o que pode ter contribuído para a dificuldade inicial de se traçar a identidade profissional do nutricionista. Apontamos, ainda, para a articulação entre nutrição e gênero, também fruto de um habitus que naturaliza a profissão do nutricionista como feminina. Palavras-chave:Nutrição. Gênero. Profissões. AbstractThe collective trajectory traced by Nutrition is manifested in the fact that it is naturalized as a female profession and arises the discussion on the distinction between genders as conceived contemporaneously. From a gender conception as a historical and cultural construction, we propose a reflection of professional qualification focused on gender as an analytic category. We indicated the relationship between the professional and the household works confusing the private space with the public, which may have contributed to the initial difficulty in outlining Demetra; 2016; 11(3); 773-788 774 the professional nutritionist identity. Likewise, we pointed to links between nutrition and gender, also as result of a habitus that naturalizes the profession of nutritionist as feminine.A Nutrição faz parte do conjunto de profissões ditas como "femininas" no Brasil. O Conselho Federal de Nutricionistas, 1 ao buscar um retrato ampliado do nutricionista no país, no que diz respeito às características sociodemográficas, formação, exercício profissional, entre outros, identificou que 96,5% eram mulheres. Esta presença marcante vem de sua aproximação com a primeira profissão feminina universitária -a enfermagem, fortemente atrelada à necessidade social do cuidar.Os cuidados com a alimentação inseriam-se entre outras funções da enfermeira consideradas indispensáveis ao bem-estar do paciente. Contudo, é preciso registrar que o movimento de industrialização brasileiro e a emergência dos conhecimentos sobre nutrição, nas décadas de 1930 e 1940, são indicados na literatura como parte importante do cenário de constituição da profissão de nutricionista. 2,3 Esse movimento vai ao encontro das mudanças observadas no cenário global a partir da Segunda Grande Guerra. Observa-se um momento de redistribuição da mão de obra feminina no mercado de trabalho, inserindo-se em atividades antes ocupadas apenas por homens, como por exemplo, a engenharia. 4 Os primeiros cursos de Nutrição no Brasil, inclusive, datam desse período, com a criação dos cursos técnicos de nível médio para formação de nutricionistas-dietistas. O Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS), a que tinha como função gar...
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