EditorialDois temas são muito importantes para as atividades exercidas pelos profi ssionais de saúde: a medicina baseada em evidências e a ativação de processos de mudança. A transformação de atitudes e condutas antigas mantidas como verdades absolutas ocorrerá somente se estes dois processos caminharem juntos.Na atualidade, dentre os vários temas discutidos em Medicina, destacamos um dos procedimentos mais comuns em Obstetrícia: a episiotomia na assistência ao parto normal.A primeira menção à episiotomia foi feita por Ould, em 1741, como método de prevenção de lacerações severas a ser utilizado excepcionalmente. No entanto, esta intervenção passou a ser recomendada sistematicamente por dois eminentes ginecologistas, De Lee e Pomeroy, na primeira metade do século passado, período que coincidiu com o início da prática da hospitalização para a assistência ao parto 1 . De Lee (1915) indicou o uso da episiotomia rotineira, preferindo a incisão médio-lateral, enquanto Pomeroy (1918) expressou sua preferência pela episiotomia mediana ou periotomia, principalmente nas primigestas, para evitar roturas perineais extensas 1 . Neste período, a episiotomia era utilizada de modo profi lático, tendo como objetivos primordiais a prevenção de traumas perineais, redução da morbimortalidade infantil e diminuição da ocorrência de retocele e cistocele, além do relaxamento da musculatura pélvica 2 . Este modelo vem sendo adotado e ensinado pela Obstetrícia brasileira como conduta bem estabelecida e universalmente aceita, com base em justifi cativas que incluem a prevenção do trauma perineal severo e dos danos do assoalho pélvico, visando evitar prolapsos genitais e incontinência urinária 3 futuros. Esta profi laxia, segundo os cirurgiões, justifi caria a dor acarretada pela incisão e eventuais complicações locais.Entretanto, nas últimas décadas, alguns estudos com o objetivo de reduzir as intervenções desnecessárias e a morbiletalidade materno-fetal têm avaliado a prática rotineira da episiotomia no período expulsivo do parto. Uma revisão sistemática publicada pela biblioteca Cochrane (2006) 4 concluiu que a episiotomia seletiva, se comparada à rotineira em todos os partos vaginais, associou-se a menor risco de trauma de períneo posterior, a menor necessidade de sutura e a menos complicações na cicatrização.As evidências demonstram que o uso rotineiro da episiotomia não reduz o risco de trauma perineal severo (lacerações de 3º e 4º graus), não previne lesões no pólo cefálico fetal