ResumoAs estatísticas nacionais, embora precárias no que se refere à desagregação por sexo, não deixam dúvidas quanto à diferença de desempenho escolar entre meninos e meninas em todo o ensino fundamental e médio. Pode-se tomar os dados sobre evasão e repetência ou as informações sobre defasagem entre série cursada e idade da criança: qualquer dessas cifras indica que os meninos teriam maiores dificuldades escolares.Antes, porém, de nos indagarmos sobre possíveis motivos para essa situação, é preciso atentar ao fato de que o conteúdo dessas estatísticas tem uma relação indireta com a efetiva aprendizagem. Por exemplo, os dados mais recentes apontam grande diminuição nas taxas de repetência, mas isso resulta principalmente de políticas educacionais de melhoria do fluxo, que conduziram à aprovação automática de alunos e, portanto, não reflete necessariamente uma real melhoria no acesso ao conhecimento.Alunos e alunas estão permanecendo mais tempo nas escolas, repetindo menos de ano e afastando-se menos da atividade escolar, o que, sem dúvida, são avanços. Contudo, a pressão exercida sobre os professores para que aprovem o maior número possível de alunos, nas séries em que ainda existe a reprovação (finais de ciclo), e a falta
Com o objetivo de conhecer as formas cotidianas de produção do fracasso escolar mais acentuado entre meninos nas séries iniciais do ensino fundamental, o artigo baseia-se em estudo desenvolvido entre 2002 e 2003 com o conjunto das crianças e professoras de 1ª a 4ª séries de uma escola pública do Município de São Paulo. Busca compreender os processos que têm conduzido um maior número de meninos do que meninas, e, dentre eles, uma maioria de meninos negros e/ou provenientes de famílias de baixa renda, a obter conceitos negativos e a ser indicados para atividades de recuperação. Conclui pela necessidade de discutir a cultura escolar como fonte importante na construção das identidades de meninos e meninas, seja na reprodução de estereótipos e discriminações de gênero, raça e classe, seja na construção de relações mais igualitárias.
Entre os dias 24 e 28 de março último, a Coordenadoria Especial da Mulher e a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo organizaram o seminário internacional "Gênero e educação: educar para a igualdade", com o apoio do British Council e do EDGES (Grupo de Gênero, Educação e Cultura Sexual da Faculdade de Educação da USP). Além de outras pesquisadoras brasileiras, essa semana de debates contou com a presença de três colegas da Inglaterra, as professoras Rosemary Preston, Hilary Povey e Carol Adams, e foi acompanhada por cerca de quatrocentas professoras e professores da rede municipal de ensino. Na última manhã de trabalho, expus para esse público entusiasmado uma palestra sobre o fracasso escolar das crianças de sexo masculino, a qual eu pretendia transformar posteriormente num texto, a fim de publicar nos anais do seminário. Entretanto, ao receber a transcrição da fita gravada com minha fala, espantou-me o tom quase premonitório que algumas passagens adquiriram frente a matérias recentes da grande imprensa brasileira, em especial a reportagem de capa da Revista da Folha, de 4 de maio último. 1Tendo em vista o caráter pouco esclarecedor dessas matérias e o fato de que em nenhuma delas foram ouvidas as estudiosas de gênero que pesquisam há anos em nossas Faculdades de Educação, pareceu-me oportuno divulgar com certa rapidez o texto resultante daquela palestra, ainda que mantendo um estilo bastante próximo à exposição oral. Consciente dos riscos que isso implica em termos de superficialidade e simplificação, agradeço a EDUCAÇÃO E PESQUISA pela oportunidade e pela ousadia de fazê-lo. O texto que se segue é a transcrição quase direta da palestra, com alterações mínimas a fim de permitir a compreensão. Espero que ele contribua para esse importante debate.
Este artigo é parte de uma pesquisa que tem por objetivo conhecer os processos através dos quais se produz, no ensino fundamental, o fracasso escolar mais acentuado entre crianças negras do sexo masculino, conforme vêm indicando as estatísticas educacionais brasileiras há algumas décadas. A etapa aqui descrita investiga a categorização racial das crianças no âmbito escolar, apontando possíveis superposições entre os significados de masculinidade, pertencimento à raça negra e problemas escolares de disciplina e de desempenho, através de um estudo de natureza qualitativa, desenvolvido em uma escola de ensino fundamental (1º Ciclo) utilizando questionários e entrevistas em profundidade. Nossa hipótese é que, pelo menos no âmbito da escola, a identidade racial de meninos e meninas seria construída tendo como referência não apenas características fenotípicas e status sócio-econômico, mas também seu desempenho escolar.
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