Este texto é uma breve apresentação do dossiê Diplomacias cosmopolíticas e os desafios da linguagem: perspectivas das terras baixas sul-americanas. Os artigos aqui reunidos apresentam como tema geral a relação entre política e linguagem no mundo ameríndio e abarcam não apenas a função de comunicação ou significação da linguagem, mas suas propriedades pragmáticas, sua eficácia no fazer, agir sobre o mundo. Este dossiê é um desdobramento do Seminário “Lições de Fala”, ocorrido em julho de 2018 na USP, para o qual pesquisadores indígenas e não-indígenas reuniram-se para refletir e conversar sobre o que, segundo diferentes povos indígenas, falar quer dizer.
O artigo propõe uma releitura da noção de sociedade contra o Estado, de Pierre Clastres, a partir da análise de algumas dinâmicas observadas na vida política dos Aweti, povo tupi do Alto Xingu (MT). A história de uma eleição municipal na qual concorreram ao cargo de vereador alguns candidatos indígenas, bem como a saga de um chefe aweti “nomeado” e “deposto” num intervalo de quinze anos, servem de ponto de partida para a descrição de aspectos centrais da chefia xinguana, que dizem respeito a como se faz um chefe, o que ele faz, e como pode ser desfeito. Num primeiro momento, é problematizada a questão da transmissão hereditária de posto ou status, aspecto que tem sido usado como indicativo de que o Alto Xingu apresenta uma estrutura política que poderia ter evoluído para formas “complexas” (internamente diferenciada em termos de classes), fato que invalidaria a tese de Clastres sobre uma lógica indígena anti-centralização. Em seguida, são enfocados tantos o processo de constituição mútua entre um chefe e sua comunidade, quanto os mecanismos internos à chefia que marcariam o limite do poder de um líder representativo. O argumento central do trabalho é que devemos seguir as oposições internas aos grupos locais – e não entre grupos locais, como por vezes insistia Clastres – para identificar o mecanismo (ou um mecanismo) contra o Estado na vida política xinguana.
Tendo como ponto de partida uma comparação entre modos de fazer e pensar a feitiçaria num contexto ameríndio e em algumas casas de religião de matriz africana no Brasil, o artigo propõe uma conexão entre o que, para a economia do argumento aqui apresentado, defini como “os mundos do axé” e “os mundos perspectivistas” ameríndios. A hipótese desenvolvida é que, mais do que uma concepção do mundo, o que pode ser comparável nos universos ameríndios e nas religiões afro-brasileiras<br />é uma concepção do conhecimento. Com isso não se pretende afirmar uma natureza comum desses coletivos, mas observar como, <em>em contraste com nosso regime de pensamento</em>, parece ser possível falarmos de um pensamento afroindígena – algo que só seria comum, pois, em oposição a certo aspecto de “nós”.
No abstract
Os afetos atravessam o corpo como flechas, são armas de guerra (Deleuze & Guattari 1997[1980:18).Um conhecido mito de origem xinguano, do qual apresento aqui uma versão aweti, conta que os povos do alto Xingu, bem como os brancos e outras gentes que habitam o mundo atual, foram criados a partir das flechas confeccionadas pelos gêmeos demiurgos Sol e Lua para matar seu pai, a onça Itsumaret, e assim vingarem a morte de sua mãe, Tanumakalu, que havia sido morta por sua sogra jaguar. As flechas confeccionadas pelos demiurgos foram por eles transformadas em pessoas e, depois de efetuarem uma chacina na aldeia das onças, receberam dos gêmeos diferentes armas e utensílios, que se tornaram os artefatos distintivos de cada povo hoje existente. Sol queria que os índios recebessem as armas de fogo, mas estas eram tão pesadas que eles não puderam manejá-las, e preferiram tomar para si as bordunas e as flechas, deixando para os brancos as espingardas. Nessa mesma ocasião, os índios xinguanos receberam dos demiurgos o feitiço, tupiat, arma extremamente letal que, assim como a ausência das armas de fogo ou a presença de certos utensílios, tornou-se um distintivo desses povos. Não que os demais não tivessem adquirido seus próprios instrumentos de malefício mágico, mas adquiriram feitiços diferentes.Sol e Lua, contam os Aweti, eram grandes feiticeiros. Ainda crianças, inventaram uma forma de atrair animais selvagens para destruir a roça de seu próprio avô, que lhes negava comida. Depois de grandes, tomados de ciúme, pois cada um acreditava que sua esposa o traía com o irmão, inventaram o feitiço "amarrado" e se enfeitiçaram mutuamente, por vingança. Por inveja, um sentimento identificado ao ciúme na língua aweti -temyzotu designa tanto o desejo de obter aquilo que pertence ao outro quanto o medo de perder aquilo que é seu -cada um enfeitiçou o filho do outro, e é por
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