Este artigo questiona a ideia corrente de que a eleição e o governo de Jair Bolsonaro são expressão e causa da crise da democracia brasileira. A despeito de ampliar as desigualdades e de seu autoritarismo, o fenômeno deve ser visto como um contramovimento ao que foi chamado de desdemocratização. Mais do que uma reação aos avanços de treze anos de governos progressistas, a potência do bolsonarismo é também resultado da alternativa que ele simboliza a um sistema impermeável à participação popular. Por meio da análise de seu discurso e de sua prática, marcadas pela responsividade da representação e pela participação ativa de sua base, argumenta-se que ele revigora, de maneira contraditória, elementos de soberania popular ausentes da política pós-democrática. Assim, Bolsonaro se distingue de atores concorrentes, dedicados a restaurar o consenso e as instituições liberais, ambos na origem da crise contemporânea.
Da eleição de líderes autoritários à multiplicação de revoltas populares, são diversos os sinais de que as instituições políticas liberais não têm dado conta de atender às expectativas de amplos setores sociais. Embora um número considerável de atores e analistas insista em reconduzir os conflitos para o âmbito institucional, boa parte da ação política tem corrido também por fora do arcabouço formal e debilitado conceitos e teorias estabelecidas acerca da democracia e da representação. Este trabalho discute os avanços e limites das teorias contemporâneas da representação política frente a esse diagnóstico. Por um lado, elas contribuem para o estudo de diferentes formas de representação para além do voto. Por outro, pecam em articular suas faces eleitoral e não-eleitoral e tendem a negligenciar sua dimensão substantiva. Dois casos são analisados, então, para demonstrar o caráter potencialmente democrático de formas radicais de participação e a necessária articulação teórica entre as ações políticas institucional e extrainstitucional. A saber, a trajetória recente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, no Brasil, e os protestos dos Coletes Amarelos, entre 2018 e 2019, na França.
Palavras-Chave
democracia, representação, participação, ação política, movimentos sociais.
Em diferentes países, lideranças reacionárias têm aparecido como única alternativa possível à crise da democracia liberal. Este trabalho pretende contribuir para a compreensão dos limites de uma estratégia de transformação radicalmente democrática que conte com a adesão dos trabalhadores mais pobres na periferia do capitalismo, o que é feito por meio de uma pesquisa de inspiração etnográfica junto ao MTST-SP, um movimento eficaz na mobilização popular pela luta por direitos sociais. No entanto, a pesquisa descrita a seguir revela como ao mesmo tempo em que desestabiliza a ordem ao organizar trabalhadores atomizados, é na acomodação com o sistema político e econômico que o MTST pode avançar. A interpretação dessa relação ambígua com a ordem ajuda a entender os constrangimentos de uma ação política fundada na participação ativa de camadas populares hostis ao conflito com instituições e valores estabelecidos.
Given the prevailing understanding that right-wing populism is the main threat to contemporary democracy, this thesis seeks to shift the debate to see it as a consequence of the dedemocratization process that liberal regimes have gone through. In other words, it argues that the rise of reactionary leaderships is a response of middle and popular sectors to the disappearance of mechanisms capable of ensuring some degree of political equality and popular sovereignty. In Brazil, the movement led by Jair Bolsonaro must be understood, despite its authoritarian character and the fact that it increases social inequalities, as a countermovement to the consolidation of a postdemocratic system. More than a simple conservative reaction to left governments, it gains strength as it presents itself as an alternative to a system that disqualifies the common man and is impervious to his participation. Indeed, Lulism is understood here from an ambivalent nature and as responsible both for expanding Brazilian democracy and for emptying expectations of its deepening. Finally, an essay informed by participant observation of the struggle of the Homeless Workers Movement illustrates the limits and potential of a radical and progressive way out of the crisis of the liberal order.
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