O presente texto é uma reapresentação, uma adaptação sintética e uma tradução livre da introdução feita por Isabelle Stengers e Bruno Latour (em The sphinx of the work) à tradução para o inglês da obra Les différents modes d’existence, de 1943 (The different modes of existence, 2015), do filósofo francês Étienne Souriau. A razão de fazê-lo é o relativo esquecimento em que caiu apesar de sua força, além da surpresa que causa uma filosofia que não só desfaz a fissura kantiana como traz a arte e o que esta tem de mais intensivo, que é seu modo de fazer, para o centro da questão ontológica – o que fazemos, afinal, ao existir?
Este artigo se dá na interseção entre dois trabalhos de campo, um entre indígenas do Território Indígena do Xingu que habitam a cidade de Canarana, Mato Grosso, outro com grupos de danças contemporâneas na cidade de São Paulo. Nossa intenção é ressaltar os importantes efeitos de se levar a sério a possibilidade de que outros mundos levem a outros modos de conhecimento, estabelecendo, desde a perspectiva do corpo e de seus poderes modulatórios, uma crítica a abordagens estritamente intelectuais de saberes que chamam à experiência direta. O que sugerimos aqui é uma radicalização da proposta de se levar a sério a verdade de nossas interlocutoras e interlocutores de pesquisa, não apenas escutando suas verdades como verdades para elas, mas escutando-as como verdades que definem, ela mesmas, os limites de sua extensão.
O presente trabalho visa abrir espaço para pensarmos diferentes modos de fazer, transformando corpos e pessoas no contexto das danças contemporâneas, em especial da zona sul da cidade de São Paulo. A partir de artistas aí situados, buscaremos demonstrar como nossas interlocutoras fazem emergir outras noções de “experiência”, “movimento” e “contemporaneidade”. Fruto da interseção entre dois trabalhos de campo no contexto das danças negras contemporâneas da região examinada, apontaremos “a diferença que a diferença faz” quando artistas negras reivindicam para si a qualidade de contemporâneas, operando diferenças cruciais frente ao cânone corpóreo-criativo da modernidade e sua obsessão pelo “novo”.
Buscando uma história da dança na antropologia e uma antropologia na história da dança, revisito Descartes e o evolucionismo cultural para desfazer alguns preconceitos arraigados que nos acompanham até os dias de hoje, como aquele que faz das linguagens gestuais (e da dança) modos comunicacionais inferiores (e anteriores) à linguagem falada.Com isso, busco trazer à tona também os "efeitos coreográficos" da aliança entre a dança e a escrita, aliança que marca as noções modernas de corpo, pessoa e criatividade.Propondo conceitos como a senciência e o comover, busco demarcar, desde os redutos das danças contemporâneas, uma indomesticação persistente do pensamento, que segue sendo "selvagem" e, com isso, sugiro a hipótese de que o "pensar" moderno é apenas um modo de fazer, e que todo fazer é um modo de pensar. Para isso, trago, dentre outros excertos etnográficos, as aulas de dança da mestra Key Sawao, seus enunciados aquíferos e sua humanização do espaço e, no último trecho da tese, apresento a virada que culmina em minha chegada aos redutos da Cia Sansacroma e sua Dança da Indignação.
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