O período antigo do ioga emerge em meio a uma sociedade indiana estratificada e influenciado por religiões como o samkhya e o hinduísmo bramânico, sistematizando-se como um dársana ortodoxo hinduísta por meio da escritura antiga Ioga Sutras (IS) alguns séculos antes de era cristã. O IS explica tanto as causas do sofrimento humano quanto a promessa de uma boa vida iogue, baseando-se na teoria comportamental dos klesas (apego, aversão, medo da morte, orgulho e ignorância) como nefastos a evolução espiritual. Um caminho óctuplo ou asthanga ioga (AI) edifica-se a partir dele como a proposta ioguica de salvação da alma. O AI visa, por meio de condutas éticas, práticas rituais corporais e a experiência mística do samadhi atenuar os klesas em busca da união com deus/Isvara. Na idade média indiano, entre os séculos X-XV d.C., esse sistema de crenças ioguico encontra a religiosidade tântrica, jainista e budista elevando o valor do corpo em detrimento a outros aspectos doutrinais do IS. A fase moderna do ioga, no entanto, está sendo erigida por influência de um novo contexto social-religioso. Atualmente, muito mais do que brâmanes e swamis, o ioga busca a sua legitimidade como caminho espiritual sob a égide da racionalidade científica e de novos movimentos religiosos do ocidente. Nesse processo, o ioga ressignifica a sua linguagem mística que circulava entre os ashrams e florestas indianos dos tempos antigo e medieval, para um público que enfrenta os desafios estressantes de se viver nos grandes centros urbanos ocidentais, sobretudo, uma sociedade do consumo, secular e privatizada religiosamente. Sabe-se que nos tempos atuais o ioga ressignifica a sua fisiologia metafísica à luz da ciência biomédica, desconfio que a teoria dos klesas, pode estar passando por uma reforma religiosa também.A partir dessa conjuntura novas crenças despontaram para legitimar o discurso do ioga frente ao panorama social-religioso em que ele vive atualmente. Mais do que simples ressignificação simbólica, a soteriologia ioguica moderna está passando hoje por um processo de reforma soteriológica. As principais transformações que se destacaram, estão: 1) na elevação da concepção de estresse ao nível de klesa ou obstáculo espiritual; 2) o relaxamento, antagônico ao estresse-klesa, conquista natureza espiritual; e 3) por consequência, a libertação/salvação dos klesas-estresse adquiri substância “empírica” de estado místico como uma espécie de “homeostase divina”. Conclui-se que a racionalidade científica ao invés de promover o desencantamento religioso do ioga, legitima-o como um novo sistema de crenças e produz novos bens de salvação (estresse-klesa, relaxamento-espiritualizado e homeostase-samadhi). A associação dos benefícios para a saúde das práticas do ioga defendidos e propalados pela ciência fisiológica biomédica associado ao desassossego dos centros urbanos ocidentais, pode estar transformando a ética religiosa do ioga, corporificando os klesas, como causa essencial do sofrimento humano.