Resumo No bojo do movimento de humanização do parto e nascimento no Brasil, doulas e educadoras perinatais vêm se apropriando de certos conhecimentos biomédicos e combinando-os a conhecimentos “tradicionais” ou “alternativos” em torno do parto. Na última década, muitas delas passaram a falar abertamente sobre violência obstétrica e a legitimar o direito das mulheres a narrar o sofrimento experimentado, compondo um outro referencial de cuidado, articulado a uma pedagogia reprodutiva contra-hegemônica. A partir de uma mirada interseccional, propomos pensar a doulagem associada à educação perinatal como prática de problematização dos pressupostos culturais mais gerais em torno dos quais se organizam as hierarquias reprodutivas vigentes e o modelo obstétrico hegemônico. Sugerimos que a presente contribuição permite ampliar o debate sobre governança reprodutiva para além do fundamento liberal do paradigma dos direitos sexuais e reprodutivos, de modo a acolher as premissas da luta por justiça reprodutiva.
O diálogo entre ciências sociais e ciências da saúde vem produzindo reflexões interessantes a respeito das experiências reprodutivas em diferentes contextos sociais. Várias pesquisadoras demonstraram que essas experiências são influenciadas por matrizes de opressão historicamente constituídas e têm conexão direta com as taxas nacionais de morbidade e mortalidade materna e infantil, as quais evidenciam a perpetuação de hierarquias reprodutivas racializadas, resultantes do processo colonial. Neste artigo, propomo-nos a realizar uma revisão bibliográfica sobre aportes das ciências sociais e dos estudos interseccionais e decoloniais que podem contribuir para aprofundar o debate crítico sobre a apropriação biomédica do ciclo reprodutivo das mulheres, focalizando as duas cirurgias ginecológicas mais realizadas no Brasil, a saber, a cesariana e a histerectomia (remoção do útero), bem como a problemática da violência obstétrica. A presente reflexão se desenrola no horizonte político-epistemológico da justiça reprodutiva, fundamenta-se no conceito de racismo estrutural e aposta na educação perinatal crítica como via estratégica para a superação das iniquidades no campo da reprodução.
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