Neste material trazemos uma tradução, para o português do Brasil, da biografia de Dido, rainha de Cartago, presente na obra De mulieribus claris, de Giovanni Boccaccio. Importante personagem feminina da Antiguidade, a Dido que Boccaccio nos apresenta em seu catálogo de vidas de mulheres foi traçada não a partir da popular versão que encontramos nos cantos iniciais da Eneida, de Virgílio, ou nas Heroides, de Ovídio, mas segundo historiadores antigos, como Justino, e os padres da Igreja, como Jerônimo. Nessa variante do mito de Dido, a rainha nunca encontrou Eneias, e o que lemos está centrado nos eventos de sua infância, casamento com Siqueu, fuga para longe do irmão e na fundação de Cartago. Além disso, lê-se no texto boccacciano uma longa exortação à castidade após a viuvez. Nossa tradução vem acompanhada de notas cujo objetivo é destacar aspectos textuais e contextuais que julgamos importantes para apreciação do texto.
Em seu catálogo Sobre as mulheres famosas (De mulieribus claris), escrito entre1361-1362, Giovanni Boccaccio explora o universo mítico greco-romano, retratando a vida de figuras femininas notáveis (clarae) da Antiguidade. Estudos anteriores sobre o De mulieribus claris tendem a ser marcados por um viés dicotômico, que oscila entre apontar um caráter moralista (cristão) ou “meramente” literário nas biografias. Eruditas “pesquisas de fontes” (Quellenforschungen) – as quais são normalmente associadas à segunda perspectiva – destacam, entre outras fontes clássicas, a obra do poeta Ovídio(43 a.C.-17 d.C.). O objetivo central a que se dedica este artigo é investigar como a poesia do autor romano é aludida em De mulieribus claris, e explorar efeitos de sentido de tal presença no catálogo em estudo. Referências ao texto de Ovídio serão apreciadas, valendo-se de preceitos de teoria Intertextual aplicada às Letras Clássicas, em passagens de três biografias, a saber, Tisbe (XIII), Medeia (XVII) e Safo (XLVII). A observação da relação entre os textos dos autores antigo e moderno nos fornece indícios de como se dá o processo de ressignificação do material da Antiguidade na obra boccacciana, passando, de fato, tanto pela reinterpretação de elementos mitológicos no âmbito de uma perspectiva moral cristã, quanto por movimentos de referenciação que filiariamBoccaccio aos grandes autores da Antiguidade.
Neste artigo, propõe-se uma discussão sobre a construção daimagem autoral de Giovanni Boccaccio (1313-1375), dando particularenfoque à relação de tal construção com elementos da representação autoraldo poeta romano Ovídio (43 a.C.-17 d.C.). Especificamente, consideraremosespecialmente traços da imagem de um autor que defende sua obra da invejade possíveis críticos. Dentre o corpus boccacciano selecionado, passagensdo Decameron (1348-1351) e da obra De Mulieribus Claris (1361-1362)serão cotejadas, com amparo de metodologia intertextual aplicada às letrasclássicas, com excertos dos textos ovidianos de Remedia amoris (1 a.C.-1 d.C.) e Tristia (9-12 d.C.). Como se verá, o confronto entre passagensde textos boccaccianos e ovidianos suscita novas possíveis leituras daobra do autor renascentista, propiciando renovadas reflexões acerca darepresentação autoral de Boccaccio.
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