Os editoriais da Revista Estudos Feministas, desde que foi lançada, há 27 anos, no Rio de Janeiro, falam de seus objetivos, compromissos, apresentam os conteúdos de cada número publicado, e mais: traçam um panorama histórico de algumas circunstâncias pelas quais passa o país, nas análises das políticas que afetam as vidas não só das mulheres, mas de toda a população brasileira, no exercício (ou privação) de seus direitos, em suas lutas contra as desigualdades sociais e pelo respeito às diferenças. Redigir os textos de apresentação dos três números anuais da REF, situando-os no momento presente do país, tem sido tarefa crescentemente penosa para as editoras da revista. Nunca uma epígrafe significou tão claramente o momento vivido por nós, brasileiras e brasileiros, como este título do livro que reúne entrevistas e discursos de Angela Davis, 1 inspirado em canção entoada nas décadas de 60 e 70 pelos movimentos da resistência negra e antiprisional nos Estados Unidos. Estamos vivendo tempos particularmente difíceis já há alguns anos: os ataques a conquistas dos movimentos feministas no parlamento brasileiro composto por expressivas bancadas a serviço de pensamentos conservadores têm sido constantes e muito ameaçadores. Os retrocessos em políticas e direitos duramente conquistados por movimentos sociais populares que estão ocorrendo desde 2016 com o triunfo do golpe neoliberal que assumiu o governo do país, neste ano de 2019, após as eleições presidencial e legislativas, estão se dando numa sucessão vertiginosa. Convivemos com o desmanche de políticas públicas voltadas para as populações de baixa renda, para a defesa das diversidades de raça, etnia, gênero, sexualidades, para a proteção de vulneráveis, a defesa dos patrimônios nacionais e do meio ambiente. Suportamos a irresponsável liberação de agrotóxicos para a produção dos alimentos, propostas de liberação de armas de fogo, o lamentável desmanche das legislações trabalhistas e de proteção a trabalhadores/as. As consequências já estão presentes em nossas vidas. O ataque às políticas de saúde culmina com a desconstrução da previdência pública, cuja defesa é nossa luta e preocupação constante nestes tempos. Enfrentamos a maior agressão ao ensino público em todos os níveis, à ciência, à tecnologia, à inovação. Precedidas/os pelos estudantes de Ensino Médio, ganhamos as ruas em defesa da educação, pública, gratuita e de qualidade como direito de todas/os. Em defesa das universidades federais, estaduais, comunitárias, que hoje sofrem ataques cerrados de setores do atual governo, já iniciados anteriormente com a proposta de uma "escola sem partido" e do combate a uma pretensa "ideologia
Editorial Editorial Editorial Editorial Editorial Em 2020 enfrentamos as noções de tempo e espaço entrelaçadas no conhecimento das coisas. Como se tivéssemos vivido em estado de repouso-a casa parada, a inutilidade dos relógios, o sol, a lua nos movendo em busca de um liame da duração na linguagem do dia a dia: enquanto dura o isolamento, durante a pandemia, provisoriamente remotos; doravante ... O que fazer para viver este tempo, ou para bordar o tecido invisível, na analogia de Machado de Assis (1984, p. 52), para quem "o tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo"? No desdobramento do pensamento filosófico em diferentes ciências, com suas crescentes compartimentalizações sob a égide dos binarismos que caracterizaram o conhecimento ocidental, a reflexão sobre o tempo tem sido uma constante. Na contemporaneidade, com o contínuo entrelaçamento da vida à tecnologia, uma questão que se impõe é a da aceleração do tempo na sobreposição do presente sobre o passado e o futuro, com a perda das referências ancestrais e das projeções para o depois. Em pandemia, nesta vivência de confinamento para muitas/os, à passagem do tempo que se subverte na imobilidade marcada pelas demandas tecnológicas invasivas do trabalho em casa, paradoxalmente vivemos também a aceleração do tempo nos dias que se repetem, neste ano em que não vimos a primavera. A Revista Estudos Feministas mostra, neste número finalizado, refeito, atualizado, que o tempo que se viveu desde março não foi homogêneo, ao contrário, esteve pleno de contradições que instigaram as nossas mentes, alimentaram nossas solidões e exigiram deciframentos. Com muito pesar fomos impactadas pela notícia do falecimento da filósofa feminista argentina María Lugones, professora de Literatura Comparada e Woman's Studies na Binghamton University de Nova York, no dia 14 de julho deste ano de muitas perdas. Autora de muito destaque na reflexão sobre gênero nos estudos descoloniais, María Lugones (2014) recebeu o Prêmio Frantz Fanon 2020, outorgado pela Associação Filosófica do Caribe. Ela nos fará muita falta. No artigo publicado em uma seção Debates da REF, Lugones (2014) assim resume suas intenções: [...] propus uma releitura da própria modernidade capitalista colonial. Isso se dá porque a imposição colonial do gênero atravessa questões sobre ecologia, economia, governo, relaciona-se ao mundo espiritual e ao conhecimento, bem como cruza práticas cotidianas que tanto nos habituam a cuidar do mundo ou a destruí-lo. Proponho este quadro conceitual não como uma abstração da experiência vivida, mas como uma lente que nos permita ver o que está escondido de nossas compreensões sobre raça e gênero e sobre as relações de cada qual à heterossexualidade normativa (p. 935).
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