N as últimas três décadas, o estudo da escravidão africana no Brasil recebeu um grande impulso, e novas temáticas, fontes e abordagens se multiplicaram. Especialmente prolíficos têm sido os trabalhos que utilizam os registros paroquiais para investigar as relações sociais estabelecidas pelos cativos entre si e com forros, livres pobres e senhores. Entretanto, em sua quase totalidade, as pesquisas têm enfocado os séculos XVIII e XIX, englobando a época que vai da descoberta do ouro no Centro-Sul até o fim da escravidão e o imediato pós-emancipação.1 O século XVII, período formativo da história colonial brasileira, recebeu apenas uma limitada atenção historiográfica, mesmo tendo sido o momento de consolidação da produção açucareira para exportação em * Este artigo é parte de minha pesquisa de doutorado, financiada por uma bolsa do CNPq. Agradeço às críticas e sugestões de João Fragoso, sem o qual esse artigo não existiria; a Mariana Guglielmo, pelas longas discussões sobre todos os temas aqui tratados; ao parecerista anônimo, pelas correções e sugestões mais que pertinentes; a Ronald Raminelli, Roberto Guedes, Zé Knust, Jonis Freire e Renato Franco, pela leitura atenta e comentários relevantes. ** Professor de História Moderna, Fundação Getúlio Vargas. E-mail: thiagokrause@gmail.com 1 Cf., dentre muitos outros, Stuart Schwartz, "Abrindo a roda da família: compadrio e escravidão em Curitiba e na Bahia", in Stuart B. Schwartz, Escravos, roceiros e rebeldes (Bauru: EDUSC, 2001 [1992), pp.263-92; Cacilda Machado. A trama das vontades: negros, pardos e brancos na construção da hierarquia social no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008; João Fragoso, "Efigênia Angola, Francisca Muniz forra parda, seus parceiros e senhores: freguesias rurais do Rio de Janeiro, século XVIII. Uma contribuição metodológica para a história colonial".