A transnacionalização da corrupção e a instrumentalização política do processo penal

Abstract

O presente artigo problematiza o entrelaçamento das cruzadas contra a corrupção e a racionalidade neoliberal, e também os reflexos produzidos por essa dinâmica sobre o processo penal, sobretudo a sua utilização como instrumento político. Tal esforço teórico justifica-se em razão do que se verificou após a Operação Lava Jato, especialmente o uso de velhos e novos discursos punitivistas visando o recrudescimento do sistema de justiça criminal e a sua influência no cenário político-governamental. Nesse sentido, partindo da premissa de que a corrupção não pode ser reduzida mediante a supressão de direitos e garantias processuais, este escrito tem como objetivo demonstrar que as campanhas anticorrupção, nos moldes conforme disseminadas desde as últimas décadas do século passado, têm servido para alavancar o projeto neoliberal e, no caso brasileiro, para obstaculizar a democratização do campo processual penal. Para tanto, mediante uma revisão bibliográfica e documental, estruturado em quatro tópicos, apresentará uma genealogia da transnacionalização da corrupção, demonstrará o vínculo das campanhas anticorrupção com os intentos neoliberais, e esmiuçará o papel decisivo desempenhado pela cruzada contra a corrupção iniciada no Brasil em 2014 para o fortalecimento dos caracteres autoritários do processo penal, bem como para o seu uso político.

Anticorruption and Imperialist Blind Spots: The Role of the United States in Brazil’s Long Coup

“…Some works argue that the United States’ fight against corruption in Latin America took on a neocolonial character in that anticorruption came to be used as a convenient tool for neutralizing competitors threatening U.S. hegemony in the region (Warde, 2018: 107: Souza, 2020). Others have highlighted the geopolitical element of these actions, arguing that the ideological affinities and working partnerships of Lava Jato and the U.S. government indicate how new iterations of U.S. imperialism sought to revive the neoliberal agenda in the post–Pink Tide context (Gloeckner, 2020; Martins, Martins, and Valim, 2019; and Proner, 2021).…”

Compliance E O Papel Do Direito Administrativo Sancionador No Combate À Criminalidade Econômica: Aspectos Da Lei 14.133/2021

“…Neste contexto de ampliação da legislação penal, a liberdade econômica que o neoliberalismo necessita deve ser garantida por meio da força coercitiva do Estado, que promove as alterações legislativas, eminentemente penais, como meio de controle social (Gloeckner & Silveira, 2020, p. 1162. Neste sentido, Zaffaroni (2013, p. 33 Sem embargo, juntamente com a "panpenalização" e o exacerbamento de ações criminais, em que tudo está ao aparente alcance das malhas do poder punitivo, pugna-se que o processo penal acompanhe a dinâmica hiperacelerada da sociedade, desvirtuando e desconsiderando por completo a velocidade do processo, que, para que haja o respeito às garantias fundamentais, possui seu tempo próprio (Lopes Júnior, 2022, pp.…”

Do processo-rocco ao processo-risco: o paradigma negocial tornando démodé a constitucionalização do processo penal brasileiro

“…O CPP de 1941 foi editado durante o Estado Novo, influenciado pelo Código de Processo Penal Italiano de 1930 64 , de matriz autoritária. A própria Exposição de Motivos do CPP brasileiro evidencia tal afirmação, quando o então Ministro da Justiça Francisco Campos faz menção às ideias de Alfredo Rocco sobre os trabalhos de elaboração do códice 65 . Por isso, é perfeitamente possível afirmar que o atual Código de Processo Penal Brasileiro é influenciado por legislações autoritárias e possui uma matriz inquisitiva, ainda que com elementos agregados do sistema acusatório 66 .…”