IntroduçãoPretendo trabalhar neste artigo com um tema pouco explícito na antropologia e que pode assumir diferentes facetas: as relações entre militares e antropó-logos. Menos do que retomar toda uma complexa história de relações entre antropólogos e agências estatais -cuja ampla discussão tem sido alvo de um intenso esforço reflexivo na antropologia (Neiburg & Goldman 1998; Almeida 2004) -minha intenção aqui é analisar algumas consequências do "contato direto" entre antropólogos e militares, seja ele causado por engajamento de antropólogos em instituições militares, seja ele resultado de um "choque cultural" (nos termos de R. Wagner 1981:6-13) 1 provocado por uma intenção de etnografar militares. Quero começar retratando duas possibilidades para a relação: uma antropologia militar (de "posse" dos militares), e uma antropologia dos militares (relativa aos militares). 2 Acredito que novos objetos sempre trazem novos problemas. Que se tenha notícia é possível contar nos dedos quantos estudos antropológicos dedicaram-se a realizar etnografias sobre militares. Mais precisamente, e ainda que seja complicado ter uma noção total de número e qualidade de "etnografias de" qualquer coisa, é possível supor com uma relativa margem de segurança que até 2007 eram seis: 3 uma de um israelense (Ben-Ari 1998); duas de norteamericanas (Simons 1997; Lutz 2002); uma de um argentino (Badaró 2006); e duas de dois brasileiros (Castro 1990;Leirner 1997). Pelo menos os três últimos se conhecem, e compartilharam experiências de campo muito semelhantes. Uma delas, que pretendo desenvolver no âmbito deste artigo, diz respeito ao controle e ao padrão de relação que os militares pretendiam estabelecer em relação aos antropólogos que os estudavam e, se possível, também em relação à antropologia como uma forma de saber útil de seu ponto de vista.Talvez seja o caso de já esclarecer que não somente a antropologia tem uma utilidade para os militares, como também não é só para militares que ela