ResumoPolíticas redistributivas centralizadas podem induzir resultados desiguais entre os territórios? Respondemos afirmativamente a esta questão, apresentando evidências de que a transferência de renda para indivíduos, promovida por uma política social em que a arrecadação e o gasto são centralizados, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), não se traduz automaticamente em redistribuição de recursos entre territórios. Embora a adoção de políticas de redistribuição de renda no nível interpessoal seja importante para suavizar as tendências de extrema pobreza, estes ganhos em bem-estar não reduzem mecanicamente as disparidades entre as regiões brasileiras. Nas situações em que fatores exógenos à estrutura fiscal impedem que a alocação de recursos siga a distribuição espacial da necessidade, políticas redistributivas centralizadas podem colaborar para o aumento da desigualdade territorial.PALAVRAS-CHAVE: políticas públicas; transferência de renda; estrutura fiscal; desigualdade territorial; pobreza.
I. Introdução1 N a última década, o debate sobre redistribuição de renda e desigualdade entre regiões ganhou proeminência na área de economia política. Passou-se a teorizar sobre os efeitos do agravamento ou da atenuação de desigualdades regionais, tendo como referência o grau observado de centralização das atribuições (1) legislativas, (2) administrativas e (3) fiscais, e seus efeitos sobre a redistribuição de recursos entre territórios 2 . Neste trabalho, a pergunta mais ampla que se pretende responder é: em que medida fatores exógenos à estrutura fiscal contribuem para a distorção do efeito redistributivo entre regiões produzido por políticas de renda centralizadas? Embora parte da literatura que investiga essa temática utilize o Produto Interno Bruto (PIB) per capita como dimensão de análise, para economias extremamente desiguais esta medida não consegue captar parte importante da variação nas condições de bem-estar social (Sen 1973;Rocha 1998;Kakwani & Son 2008). Sendo assim, assumimos que o fenômeno da desigualdade territorial deve ser entendido como a capacidade desigual de as regiões em um dado arranjo político proverem recursos de subsistência aos seus cidadãos. Mais especificamente, definimos desigualdade territorial como a concentração desigual de indivíduos vulneráveis em unidades territoriais comparáveis, sendo a vulnerabilidade função do número de indivíduos extremamente pobres em um dado território.Não são desprezíveis as consequências deste fenômeno. Além de produzir efeitos sobre a espacialização da riqueza nacional (Azzoni 2001), a desigualdade entre regiões influencia a dinâmica interna do mercado de trabalho (Manso, Barreto & França 2010) e os fluxos de migração interna (Cunha 2015), afetando a estabilidade política, social e econômica de um determinado país (Levy & Chowdhury 1995). Mesmo que alguns autores sugiram que o aumento médio das rendas vem colaborando para uma tendência de redução das dispari-