RESUMO: O texto propõe uma reflexão sobre a crescente utilização da idéia de cultura, nos últimos anos, para definir alguns aspectos do comportamento de chimpanzés, considerando as características e os contextos, bem como as questões que esse tipo de procedimento coloca para as ciências sociais, a partir de uma antropologia das idéias e do conhecimento. PALAVRAS-CHAVE: culturas de chimpanzés, darwinismo, etologia, evolução/adaptação, relações natureza/cultura.
Antropologia e biologia: relações delicadasOs temas que aproximam antropologia e biologia são difíceis e delicados, particularmente para a antropologia cultural e social, devido à longa e trágica história dos desdobramentos de idéias que, ao tentar produzir definições para o humano (Chazan, 1995;Ingold, 1995), associaram determinantes físico-biológicos à vida social, problema discutido por autores como Comas (1970), Kuper (1994), Lévi-Strauss (1970), Poliakov (1970), Said (1990Said ( , 1995 e outros. Uma das conseqüências dessas idéias foi a produção de classificações determinísticas e etnocêntricas que -228 -ELIANE SEBEIKA RAPCHAN. CHIMPANZÉS POSSUEM CULTURA? dispuseram caçadores-coletores, hominídeos (Spencer, 1995), grandes símios (Blanckaert, 1995), populações caiçaras, rurais e tribais, especialmente as africanas (Pieterse, 1995), em escalas inferiores aos europeus e norte-americanos urbanos, sustentando políticas imperialistas, eugenia, etnocídio, genocídio, segregação.No entanto, isso não é justificativa para que antropólogos escapem das discussões que afloram em diversas áreas das ciências naturais, inclusive, porque dados e questões postos atualmente por elas dizem respeito, e muito, à antropologia cultural e social. Leve-se em conta, por exemplo, o fato de que pesquisadores que operam no campo das biociências, no estudo do comportamento, têm trabalhado com idéias tais como: cultura, consciência, relações sociais, poder ou tradição.A adesão a influências evolucionistas pela antropologia e sociologia, entre a segunda metade do século XIX (Blanckaert, 1995) e início do século XX (Blanc, 1975), apesar de ter persistido de muitos modos por várias décadas (Kuper, 1996), constitui talvez o único paradigma integralmente descartado pela antropologia contemporânea (Oliveira, 1988(Oliveira, , 1996(Oliveira, , 1997. Por outro lado, como se sabe, Boas (cf. Lewis, 2001) e Malinowski (1978), através, e a partir, da adoção do método etnográfico, combateram eficientemente as atribuições de atraso e as explicações precipitadas sobre as diferenças humanas. Boas atacou o determinismo geográfico, as concepções de história universal e as comparações entre artefatos culturais descontextualizados. Na medida em que a etnografia firmou-se como prática antropológica, mais subsídios foram fornecidos para o descarte das influências spencerianas (Stocking, 1997) .Contudo, a partir de meados de 1970de , a sociobiologia (Wilson, 1975 Ruse, 1983) e a noção de meme (Dawkins, 2001; Kuper, 2000), os estudos em comportamento animal, particularmente primatas (Fragaszy, 2003...