Resumo: Após uma breve introdução histórica e um esclarecimento terminológico, o quadro psicopatológico clássico das organizações-limite, descrito por Kernberg, está resumido tanto na sua dimensão clínica, estrutural, como genética. As diferentes correntes psicodinâmicas contemporâneas são lembradas; em seguida, os principais trabalhos psicanalíticos de língua francesa são apresentados, tanto a respeito dos adultos (Bergeret, Green) como das crianças e adolescentes (Diatkine, Mises, Jeammet). A especificidade teórica da psicanálise francesa, ligada tanto ao impulso como às relações de objeto, à intra-psíquica como ao intra-subjetivo, é destacada. Uma síntese atual (Brusset, Chabert) é proposta baseada em três problemáticas principais: a patologia do transtorno borderline e a falta de interioridade, a angústia da perda do objeto, as particularidades do conflito edipiano e o masoquismo. O peso das modificações psicossociais e culturais contemporâneas sobre as mudanças da psicopatologia é aqui evocada.Palavras-chave: Distúrbio da personalidade borderline. Relações de objeto. Narcisismo.Masoquismo. Psicanálise. Psicoterapias psicanalíticas.Introdução: história e terminologia Sabemos que o interesse dos psiquiatras pelos "estados fronteiriços da loucura" , ou seja, as formas subclínicas das psicoses data do final do século XIX. Era um interesse a respeito de pacientes que não apresentavam sintomas psicóticos manifestos, mas aos quais atribuíamos uma psicose subjacente ou para os quais esses sintomas não tinham ainda eclodido. A questão das fronteiras (e de sua estabilidade) espaciais 1 Tradução efetuada por Rosa Passos e revisão técnica de Sonia Regina Pasian e Jesé Alvaro Lelé.
174Os EstADOs-lIMItE nOs trAbAlhOs psIcAnAlítIcOs frAncEsEs Jean Yves Chagnon e temporais das doenças mentais foi bem cedo levantada (Bergeret, 1974(Bergeret, , 1975Brusset, 1999;Bourgeois, 2004). A partir de tais interrogações chegamos à definição pelo DsM IV da "personalidade borderline" incluída no vasto quadro dos transtornos de personalidade. Observemos que se trata de uma tentativa da psiquiatria quantitativa centrada em uma análise semiológica descritiva e objetiva dos sintomas e dos comportamentos, deixando obscuro o lugar, a função e a significação desses na economia psíquica sempre singular do sujeito. Ela não diz nada sobre a história do indivíduo e nem sobre o contexto do ambiente, relacional e social, nos quais esses sintomas são produzidos e lhe dão sentido. É bem diferente a tentativa psicanalítica quando aborda a Psicopatologia. Na realidade, a psicanálise se interessa pelo funcionamento mental, amplamente inconsciente nas suas modalidades e suas determinações, tanto que pode ser deduzido do discurso do sujeito dirigido ou comunicado ao psicanalista. A semiologia abordada pelo psicanalista é uma semiologia original, extraída da entrevista de investigação ou da sessão e, particularmente, das associações livres que nela ocorrem, subentendidas pela transferência. Acrescentemos que, nessa perspectiva, o normal e o patoló-gico nã...