RESUMO A racionalidade científica moderna tem sido questionada, nos últimos anos, de diversas maneiras, entre as quais destaca-se a translação do conhecimento -um método de pesquisa e ação que visa a incentivar a troca entre diferentes saberes, construindo um conhecimento comum voltado para a compreensão e transformação da realidade existente. Tratase de um procedimento cada vez mais utilizado na avaliação participativa. O objetivo deste artigo é discutir em que medida as bases conceituais da translação do conhecimento podem estar associadas à ideia de 'coletivo de pensamento ', desenvolvida por Ludwik Fleck (1896-1961 na obra 'Gênese e desenvolvimento de um fato científico ' (1935).PALAVRAS-CHAVE Conhecimento. Ciência. Avaliação em saúde.ABSTRACT In recent years, the modern scientific rationality has been questioned in several ways, among which stands out the translation of knowledge, a research and action method that seeks to encourage the exchange among different knowledge fields, building a common knowledge geared toward understanding and transforming the existing reality. This procedure is increasingly applied in participatory evaluation. The purpose of this article is to discuss to what extent the conceptual bases of knowledge translation may be associated with the idea of 'collective thinking' developed by Ludwik Fleck (1896-1961 in the work 'Genesis and development of a scientific fact ' (1935
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IntroduçãoReflexões sobre o rigor científico e a confiança epistemológica da ciência moderna têm contribuído para colocar em discussão o paradigma científico-social moderno. Constituído a partir da Revolução Científica do século XVI, tal paradigma baseia-se em um modelo de racionalidade em que o conhecimento científico é fruto de uma produção feita por um indivíduo distante e separado de seu objeto (SANTOS, 1988). Nesse paradigma, o mundo é concebido enquanto algo objetivo e independente das pessoas que nele vivem e dele falam. Ele é visto como um ente passível de ser conhecido pelos procedimentos de verificação e mensuração da ciência, considerados objetivos e neutros (VAITSMAN, 1995). Nessa concepção, o enunciado científi-co deve ser suscetível à prova, podendo ser utilizado como evidência em um debate. Para ser aceito, o argumento cientifico não pode fornecer uma pluralidade de provas inconsistentes ou contraditórias (LYOTARD, 2003). Esse paradigma clássico construiu, ao longo dos anos, um método aceito e reconhecido para a produção do conhecimento (GALLO, 2006).As demais formas de produção de conhecimento, que não se pautavam por esses princí-pios epistemológicos e regras metodológicas, foram deixando de ter seu caráter racional reconhecido. A consagração do paradigma científico moderno instaurou, assim, uma dicotomia entre o conhecimento científico e o senso comum -sendo que o segundo passou a ser deslegitimado e invalidado pelo primeiro. A organização dos saberes no paradigma dominante é, em larga medida, eminentemente disciplinar e disciplinada, uma vez que se organiza de forma ostensivamente policiad...