Os contributos deste dossiê resultam de painéis em conferências da European Association of Social Anthropologists (Antonella Camarda e Jean-Yves Durand, "Which craft? Politics and aesthetics of handicraft in post-industrial contexts", Milão, 2016) e da Associação Portuguesa de Antropologia (Eduarda Rovisco e Vera Alves, "Arte popular, artesanato, souvenirs: materializações do passado, imaginações do futuro", Lisboa, 2019). 1 Ilustram a variedade de temas, pontos de vista e questionamentos subjacentes a um campo que abrange uma ampla diversidade de contextos, modos de produção e de uso, enquadramentos legais, técnicas, produtos, registos estéticos, regimes de consumo e de valorização. A mesma heterogeneidade é assumida por esta introdução coletiva em forma de patchwork, uma manta de retalhos à imagem do tema que aborda.De facto, a objetivação do que é o artesanato parece sempre elusiva. Permanece frequente a invocação de uma diferença essencial com a arte, distinção herdada da divergência entre artes maiores e menores, associadas respetivamente mais à inventividade ou à reprodução. A instituição das artes decorativas no século XIX sedimentou esta dicotomia e, também, evidenciou os seus limites, pulverizados entretanto pela arte contemporânea. Observa-se hoje a permanência da noção de uma inevitável "utensilidade" do objeto artesanal: deveria sempre satisfazer necessidades básicas da vida quotidiana -o que não o impede de poder resultar de uma elaboração notável. Assim, há quem considere que uma "função prática física" faz com que um objeto seja artesanal e não artístico, mesmo sendo possível distinguir entre artesanato utilitário e o que poderia ser designado por fine craft. Este "belo artesanato" (por analogia com "belas artes") incluiria objetos concebidos para serem "especiais" e "irem esteticamente muito além do que exige a simples função utilitária" (o que leva a propor também um fine design: Risatti 2007: 18, 217, 247).Mas as funções técnicas da quase totalidade dos objetos artesanais são hoje asseguradas com maior eficácia pelos seus avatares industriais produzidos em série, mais baratos e de substituição fácil. É, aliás, frequente as suas versões contemporâneas serem desprovidas das capacidades utilitárias que eram a razão de ser dos seus modelos, aspeto patente na questão da "autenticidade" dos souvenirs e das tourist arts. Passando de uma economia sobretudo doméstica para a esfera globalizada das trocas mercantis, os artefactos artesanais são agora procurados antes de mais por razões estéticas, identitárias ou de distinção, o que os aproxima do universo do luxo.
1O artigo foi financiado pela FCT, no âmbito do plano estratégico do CRIA, Centro em Rede de Investigação em Antropologia (UIDB/ANT/04038/2020).