Este artigo tem três objetivos. O primeiro consiste em problematizar a ideia de Silva (2009) de que a criança, em sua constituição como falante, converte o discurso em sistema e o sistema em discurso. O segundo objetivo consiste em investigar a noção de “conversão” na teoria da linguagem de Émile Benveniste. O terceiro objetivo consiste em produzir uma reflexão acerca da aquisição da escrita, com base em dados de duas crianças acompanhadas durante dois anos e seis meses. Os resultados indicam que: (1) se o falante/escrevente constituído opera a conversão do sistema em discurso, o falante/escrevente em constituição precisa operar, antes, a conversão do discurso em sistema; (2) a criança opera tais conversões na enunciação enquanto estrutura que a inclui como locutor (“eu”), o outro como alocutário (“tu”), a língua (“ele”) como sistema e discurso situados na cultura e a cultura (“ELE”) como conjunto de valores, de prescrições e de interdições que determinam os modos de enunciação; (3) nessa estrutura, a criança vai convertendo o discurso – falado e escrito – do outro em sistema próprio, até se tornar capaz de converter esse sistema em discurso próprio; (4) é, pois, o discurso do outro, do falante/escrevente constituído, que promove a criança à condição loquens/scriptor, sendo para ela como uma ponte que a alça ao sistema.