“…O trabalho de Berio consistiu portanto em dar consistência musical à exploração fonética e à escrita fragmentada do texto de Cummings, por meio da construção de blocos de devir 21 em que voz e instrumentos ampliam suas possibilidades expressivas ao buscarem, reciprocamente, um se tornar o outro, um prolongar o outro, um se prolongar no outro, um intercambiar com o outro, em suas respectivas emissões sonoras. Além desse aspecto da fusão sonora entre voz, harpa e percussões na peça, há também a exploração de um caráter cênico na participação de Berberian e, em menor grau, na dos instrumentistas, por meio de deslocamentos dos músicos e da cantora no palco bem como de interações entre si, sem considerar outros elementos interpretativos não acrescentados na partitura mas que eram constantemente utilizados pela cantora, como a brusca virada de corpo que ela fazia no trecho em que cantava o tktktk (BERIO, 1961: 28), mostrando suas costas nuas para a plateia e assim produzindo um grande efeito de surpresa, tendo em vista se tratar de um espetáculo que acontecia no início dos anos de 1960, quando o uso de vestimentas desse tipo era ainda um tanto quanto chocante para o público das salas de concerto (BERBERIAN [1978] apud VILA, 2003ver também BERIO [2002] apud VILA, 2003: 98-99).…”