A identidade nacional portuguesa foi construída, ao longo do tempo, por vários meios e no cinema também, em relação com a identidade de um "outro" africano, próximo e distante, herdeiro e desafiador, objeto de sedução e de repulsa. Estas dualidades estão patentes no filme Tabu (2012), de Miguel Gomes, que reifica e questiona representações. Filme pós-colonial, no sentido em que reflete sobre a forma como estereótipos e representações sociais e "raciais" criados durante o colonialismo se repercutem na sociedade portuguesa de hoje, oferece um olhar crítico sobre uma certa elite portuguesa em África e sobre a forma como esse mesmo grupo viveu o período da Guerra pela Independência, confrontando esse momento da história portuguesa com o tempo atual. Analisa-se o discurso fílmico do autor, através de uma abordagem semiótica multimodal do filme: uma análise de Tabu tendo em conta os processos de categorização, quer por exclusão, quer por inclusão. Apresenta-se uma leitura dialógica de recursos semiológicos como ritmo, composição, conexões informais e diálogos, sendo que a finalidade desta análise multimodal é perceber a representação do "outro" africano no filme e a forma como a identidade portuguesa se constrói na relação com essa alteridade africana.
Palavras-chaveFilme Tabu; representações "raciais"; alteridade; identidade; semiótica multimodal
IntroduçãoO filme Tabu (2012), assinado pelo cineasta Miguel Gomes, apresenta uma construção da identidade portuguesa a partir da sua relação com África, podendo ser "lido" como uma reflexão crítica sobre a presença, na sociedade portuguesa atual, de dinâmi-cas criadas durante o colonialismo. No entanto esta leitura não é, como se verá, isenta de interrogações, na medida em que a obra questiona alguns estereótipos, mas parece pretender sublinhar outros.Propõe-se uma análise de Tabu tendo em conta os processos de categorização por exclusão e por inclusão. Algumas sequências específicas serão alvo de uma análise mais detalhada, apresentando-se uma leitura dialógica de recursos semiológicos como ritmo, composição, conexões informais e diálogos, procurando com esta análise multimodal (van Leeuwen, 2005) perceber a forma como o filme representa o "outro" africano e como edifica a identidade portuguesa na relação com esse alter.A identidade e alteridade não são naturais nem intrínsecas aos indivíduos; transformam-se com a cultura porque dela fazem parte e são aqui pensadas como construções fluídas, móveis, e sobretudo, não como representações criadas de modo necessariamente inocente, nem como apropriações inconscientes (Pereira & Cabecinhas, 2014). Um estudo recente (Piçarra, 2015) mostra que o cinema tem sido, ao longo da sua