Quando o luto se torna pandêmicoAs pandemias tendem a ser marcadas por perdas em massa: não somente de vidas humanas, mas também de rotinas, costumes e regras, obrigando as pessoas a lidarem com um cenário de imprevisibilidade atípico 1 . É esperado um aumento no sofrimento psíquico, reações psicológicas, níveis de estresse, ansiedade e irritabilidade, além da manutenção prolongada de medos e inseguranças. Por isso, maiores incidências de transtornos psiquiátricos, incluindo depressão, ansiedade e transtorno do estresse pós-traumático, são previstas 2 . Segundo o Reposítório de Dados sobre COVID-19 da Universidade de Johns Hopkins (Estados Unidos), até o dia 28 de agosto de 2021, o número de mortes associadas ao novo coronavírus somava 578 mil no Brasil, representando mais de 13% das 4,49 milhões de mortes contabilizadas no mundo 3 . Nesse contexto, além do fardo de incertezas intrínseco ao momento atual, houve a necessidade de mudanças nos hábitos, costumes e protocolos que envolvem pacientes, mortes e luto, visando reduzir a disseminação do vírus. Claramente, impactos nos rituais de morte refletem negativamente nas esferas biopsicossociais dos indivíduos e grupos sociais em luto. Somando-se a isso, as vivências de lutos sequenciais não são raras dentro de uma mesma família, o que torna o processo mais difícil 4 .No processo normal de luto, o sofrimento vivido surge como uma oportunidade de aprender, transformar-se e desenvolver, o chamado "crescimento traumático". A resolução do luto é facilitada por rituais de despedida/passagem, pela comunicação social/familiar, compartilhamento de bons momentos, agradecimentos, pedidos de perdão e obtenção de respostas -mesmo que subjetivas e particulares -de diversas questões. Uma vez que essas ocasiões envolvem, na cultura brasileira, proximidade física, apertos de mãos e abraços, as medidas sanitárias que preconizam redução e/ou impedimento dessas vivências potencializam a angústia dos familiares, instilando sentimento de culpa por considerar que seus entes falecidos não receberam a despedida merecida 5 . O estresse imposto nessas situações pode facilitar a ocorrência de lutos complicados, algumas vezes considerados patológicos, em que a premissa de crescimento emocional não é completamente válida, visto que a ruminação e a permanência de sentimentos negativos podem levar ao desenvolvimento de estados ansiosos/depressivos prolongados 6 .Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições, desde que o trabalho original seja corretamente citado.