Este artigo analisa aspectos da implementação do Auxílio Emergencial no Brasil, criado para combater as crises sanitária, econômica e social acarretadas pela pandemia de Covid-19. Este benefício trouxe desafios para o futuro de políticas permanentes de transferência de renda com vistas à superação de vulnerabilidades, expressando dilemas também enfrentados por outros países da América Latina. Para além da importância da elevação da cobertura e dos valores dos benefícios, ressaltam-se dois aspectos cruciais que têm sido negligenciados pelas discussões correntes e que se revelaram precários no Auxílio Emergencial: a importância de uma efetiva articulação federativa e de um cadastro de beneficiários com informações abrangentes de suas condições de vida. Os resultados obtidos a partir de modelos estatísticos aplicados ao nível municipal revelam que parte da magnitude do grupo de “invisíveis”, pessoas até então ausentes dos registros governamentais, é explicada pela desidratação recente das estruturas da política de assistência social, ou seja, por processos de policy drift. Conclui-se que a crise da pandemia poderia ter sido combatida com maior rapidez caso esta política social não estivesse defasada, e argumenta-se que a efetividade futura das políticas de transferência de renda depende da retomada dos instrumentos do Cadastro Único de Programas Sociais.
A América Latina se caracterizou nos últimos anos pela inovação neste setor de políticas públicas, particularmente o Brasil, com o Programa Bolsa-Família. No entanto, a magnitude do Auxílio Emergencial em termos do valor do benefício transferido e da cobertura alcançada mostrou a necessidade de reformulação das políticas tradicionais de transferência de renda, agenda que atinge os demais países da América Latina.
Neste artigo, por meio de análise intensiva do caso brasileiro, com referência à situação de demais países, chamo atenção para aspectos importantes que estão sendo negligenciados nas discussões correntes. O funcionamento efetivo das políticas de transferência depende da articulação intergovernamental e deve estar balizado em cadastros abrangentes e inclusivos. A análise com métodos quantitativos multivariados no nível municipal revela que grande parte dos “invisíveis”, pessoas até então ausentes dos registros governamentais, se deve à desidratação recente da assistência social no Brasil.